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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

GÊNESIS - UMA BREVE ABORDAGEM EXEGÉTICA DO CAPÍTULO 12

BREVE ESTUDO NO CAMPO DA TEOLOGIA EXEGÉTICA.
GÊNESIS 12.1-4.

Prof. João Ricardo Ferreira de França.*
“Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; 2 de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! 3 Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra. 4 Partiu, pois, Abrão, como lho ordenara o SENHOR, e Ló foi com ele. Tinha Abrão setenta e cinco anos quando saiu de Harã.”

Introdução:
A teologia Bíblica se insere em nosso contexto como uma resposta aos desafios que a sistematização das Escrituras parece sugerir. A revelação veterotestamentária precisa se entendida e avaliada para que haja uma apologética cristã; uma catequização sólida e por fim, haja uma aplicação prática da Palavra de Deus em nossa época e para o nosso povo. Esta é de fato a tarefa do teólogo Bíblico.
O presente estudo visa trabalhar questões no campo da teologia exegética visando ajudar aos leitores na compreensão da Palavra de Deus. Visando assim uma valorização pelo Antigo Testamento e a sua mensagem.
É bom que se diga que o livro do Gênesis tem sido estruturado de diversas formas. Alguns tem sugerido que o livro possui várias seções, embora tais estruturas, não sejam facilmente percebida em nosso idioma. “Isso ocorre porque, na maioria das traduções, a palavra hebraica toledoth é traduzida por mais de uma expressão em português. A expressão hebraica completa ’elleh toledoth, que aparece onze vezes no livro de Gênesis.” (LONGMAN III, 2009, p.72). Tal estrutura nos apresenta um breve esboço para todo o livro, e assim, podemos de fato trabalhar a interpretação textual do mesmo. Conforme se observa no esquema abaixo.

"ESSAS SÃO AS GERAÇÕES DE..."
Fórmula Conteúdo Referência
No princípio, criou Deus... Criação 1.1 – 2.3
Esta é a gênese dos céus e da terra Criação 2.4 – 4.26
Este é o livro da genealogia de Adão Genealogia de Sete a Noé 5.1 – 6.8
Eis a história de Noé. Dilúvio & Aliança 6.9 – 9.29
São estas as gerações dos filhos de Noé, Sem, Cam e Jafé Base das nações & Babel 10.1 – 11.9
São estas as gerações de Sem Genealogia de Sem a Abrão. 11.10-26
São estas as gerações de Tera. História de Abrão 11.27 – 25.11
São estas as gerações de Ismael, filho de Abraão, Genealogia de Ismael 25.12-18
São estas as gerações de Isaque, filho de Abraão. Transmissão de bênção de Isaque para Jacó 25.19 – 35.29
São estes os descendentes de Esaú Genealogia de Esaú 36.1-43
Esta é a história de Jacó José & Israel no Egito 37.1 – 50.26

A segunda abordagem que tem sido sugerida é que este livro deve ser divido em três níveis ou seções conforme o sistema apresentado abaixo.
NOMENCLATURA DOS PERÍODOS PASSAGEM
BÍBLICA BREVE DESCRIÇÃO.
I – História Primeva. Gn.1-11. Cobre o período de tempo entre a criação e a torre de Babel.
II – As Narrativas Patriarcais. Gn.12-36 A narrativa se desenvolve e gira em torno de um personagem central que é Abraão.
III – A História de
José. Gn.37-50. A história de José manifesta uma transição entre uma família com 75 anos que foi para o Egito e uma nação que, 400 anos depois.

I – ABORDAGEM EXEGÉTICA SIMPLIFICADA.
Esta estrutura pode nos ajudar no entendimento da passagem que estamos considerando. Vamos considerar alguns termos chaves na narrativa patriarcal da vida de Abraão:
VS 1 - Waiomer (e disse) - Um verbo que se encontra no qal com o vav consecutivo indicando um padrão narrativo estabelecido pelo autor; os fatos narrados serão viso como sendo históricos.

YAHWEH - descreve o nome pactual de Deus. Ou como coloca um erudito do Antigo Testamento:
[...] a idéia contida no nome de Yahweh insiste num risco essencial que aparece em qualquer aspecto da fé mosaica em Deus, estar sob o impacto da presença, algumas vezes terrível, outras benévola, mas sempre comovedora e eficaz, do Deus que com incríveis demonstrações de poder afirma seu senhorio e garante a vitória. (EICHRODT, 2004, p.165 – ênfase dele.).

É o nome da revelação de Deus ao patriarca do profetismo em Israel. O termo hebraico deveria “fazer referência a afirmação contida no mome de Yahweh, do Deus próximo e cuja ação é poderosa; igualmente a expressão tão freqüente ‘sabereis que sou Yahweh’, tanto em tom de ameaça quanto de consolo, alude à presença de Deus, que aflige ou bendiz”. (EICHRODT, 2004, p.165 – ênfase dele.).
Me’artsek (tua terra) – É uma construção gramatical rara. Ocorre duas vezes no Pentateuco; a primeira é aqui e a segunda vez é em Deuteronômio 26.2; o termo está prefixado com a preposição que indica origem seguida que de um prefixo que indica posse. “Tua terra”. A terra onde o pecado da idolatria era notório.
O termo é repetido novamente com uma preposição que indica localidade, mobilidade e o contraste é curioso; pois, o primeiro termo indica a “terra de Abrãao” e a segunda referência do mesmo termo temos o conceito de “terra de Deus” – este conceito nasce em Gênesis 1.1 – “no princípio criou Deus os céus e a terra” ( criação e consumação).;( ’ar’eka - Novamente nos deparamos com um termo raro nas Escrituras. Este vocábulo ocorre apenas três vezes nas Escrituras; esta é a primeira vez que este vocábulo aparece na Palavra de Deus, as outras vezes em que ocorre este termo são em 2 Reis 3.14 – com o sentido de contemplar. E última vez que o termo aparece é em Zacarias 1.9 e o conceito ali diz respeito a receber uma “visão” ou “revelação”. Este verbo está no hiphil indicando que é Deus quem vai produzir tal visão. (de forma intensa e singular).
Vs.2 - we’e‘esek (ti farei) - O termo significa criar fazer de forma manufaturada. Conotação de empregar algum poder. Este termo aparece em Gênesis 1.26-27. “Façamos o homem...” A narrativa está oferecendo a idéia de um novo começo.
Gadol - Esta palavra carrega conceitos gramaticais de importância substancial para a teologia Bíblica:
A raiz [desta palavra] é usada para crescimento físico das pessoas e outras coisas vivas como também para o aumento de coisas tangível e intangível se [for] objetos, sons, sentimentos ou autoridade. Sobrepõe significando com rabab e rabâ, mas distinto,pois, estas raízes que nunca se refere a algo numeroso, só indica para ser grande em tamanho,e, de muita importância etc. É combinado com o nome divino para dar nomes pessoais, o mais freqüente de ser Gedaliah que significa "o Deus é grande."(2 Reis.25.22-25).Em 1 Samuel 26.24 a palavra pretende fixar um valor alto na vida da pessoa. [...] A "causa de significado para crescer" ou "criar" as crianças, plantas etc. é limitado ao tronco do Piel. “Ambos Piel e Hiphil indicam origem de, porém, carrega o significado para aumentar" ou "considerar grande.” Isto é como os salmistas freqüentemente usam a palavra, enquanto convocam o adorador para designar grandeza ao Deus e exaltar seu nome (Salmo 35.27; Salmo 40. 16 [no hebraico 17] Salmo 70.4 [no hebraico 5]) ( TWOT, 2007, in: Bible Works7)

Waavarekek- O termo aqui tem um palavra de promessa. A promessa da benção.
Esta raiz e seus derivado ocorrem 415 vezes. “A maioria está no tronco do Piel (214) que é traduzido por abençoar." O Qal com particípio passivo "abençoado" acontece que ocorre sessenta e uma vez. “O significado para se ajoelhar” aparece só três vezes, duas vezes no Qal(2 Crônicas 6.13; Salmo 95.6) e uma vez em Hiphil (Gênesis.24.11).Nesta base alguns discutem aquele barak para ajoelhar" é um verbo denominativo de "joelho" de berek e é sem conexão a barak abençoar." Porém, pode ter havido uma associação entre ajoelhar e a recepção de uma bênção (cf. também baraka árabe que mostra a mesma gama de significados). Abençoar nos meios do AT para dotar poder por sucesso, prosperidade, fecundidade, longevidade, etc." Freqüentemente é contrastado com qalal para estimar ligeiramente, maldição" [...]( TWOT, 2007, in: Bible Works7)


II – A TEOLOGIA BÍBLICA DO TEXTO DE FORMA SIMPLIFICADA.

Depois, de observamos algumas palavras significativas na narrativa do chamado de Abrão. Precisamos levar em consideração a teologia bíblica encontrada neste trecho das Sagradas Escrituras.
A história de Abrão está estruturada de uma forma bem significativa. O texto sagrado nos diz:
Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; 2 de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! 3 Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra. 4 Partiu, pois, Abrão, como lho ordenara o SENHOR, e Ló foi com ele. Tinha Abrão setenta e cinco anos quando saiu de Harã.

Longman comenta isso de forma significativa: “É difícil aquilatar a importância dessas palavras para a teologia bíblica.” (LONGMAN III, 2009, p.155). Isto é verdadeiro, pois, como vimos Abraão passa a ser o personagem central na narrativa. A linguagem da benção conforme encontrada aqui nos faz “olhar para Gênesis 1-2, quando Deus abençoou Adão e Eva, colocando-os no Jardim e lhes dizendo para serem frutíferos e multiplicarem-se e explorarem aquele lugar, mas devido ao pecado foram expulsos do jardim”. (LONGMAN III, 2009, p.155-156)
O conceito que parece ser dominante aqui é o epangelismo e Kaiser se aferra a este conceito para dizer: “O vínculo óbvio entre Gênesis 1-11 e a era patriarcal é um que o próprio texto faz com suas cinco repetições da ‘Benção’ dada a Abraão em Gênesis 12.1-3.” (KAISER, 1984, p.59). A promessa subjacente ao foco central do texto é que Deus há de manifestar bênçãos singulares na vida de Abraão e por meio de Abrão na humanidade.
Quando Deus estabeleceu a sua aliança com Abraão, incluiu uma promessa de terra. Deus chamou Abraão para que saísse para a terra que Deus lhe mostraria (Gn 12.1). Depois da cerimônia pactual na qual Deus passou entre as porções dos animais partidos, Deus prometeu a Abraão: “Aos seus descendentes dou esta terra” (15.18, “NIV”). Outra vez, quando Abraão tinha noventa e nove anos de idade, Deus renovou a promessa da aliança: “Dar-te-ei e à tua descendência a terra das tuas peregrinações, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei o seu Deus” (17.8). Assim, a aliança com Abraão foi atada a esta terra e dizia respeito a tê-la como herança. A promessa da terra é central para a promessa de salvação.
Todavia, a focalização pactual também inclui a promessa de um mediador singular. A importância de Abraão neste conceito histórico-redentivo é interessante para a teologia Bíblica do texto sagrado, pois, Deus em sua revelação aproxima-se de Abraão. Groningen nos diz que o texto de Gênesis 12.1-3 é um “importante texto profético é a palavras de Deus a Abraão” (GRONINGEN, 2003, p.128). Pois, este texto tem sido estruturado para a teologia pactual da seguinte forma:
1. Deus chamou e separou Abraão (vs1)
2. Deus fez promessas a Abraão (VS.2)
3. Deus coloca as estipulações pactuais diante de Abraão (VS. 2b)
4. Deus falou de Bênçãos e Maldições futuras (VS.3).
Dentro desta estrutura pode-se construir uma teologia coesa e segura no escopo canônico das Escrituras.
Toda a linguagem empregada nestes textos nos transporta para os primeiros capítulos do Gênesis. A narrativa inicia a história como se fosse um novo Gênesis. O patriarca Abraão é chamado à existência pela palavra divina. Este chamado implicava em ser uma benção de Deus neste mundo. Isso apontava para manifestação visível das estipulações pactuais.
Estreitamente relacionadas às promessas a Abraão eram as estipulações enunciadas por Deus – ele seria uma benção. Nessa afirmação foi dito ao patriarca que ele estaria a serviço, que seria uma agente ou canal de benção. Os que seriam “todos os povos. A benção a ser concedida não procederia de Abraão mesmo, pois ele próprio seria primeiro abençoado. A estipulação exigia que Abraão se submetesse a Deus, recebesse e se apropriasse da benção prometida e a transmitisse aos demais seres humanos. Portanto, foi ordenado a Abraão que servisse como um mediador entre Deus e os homens. (GRONINGEN, 2003, p.129).

Ao usar o termo para abençoar o autor sagrado está trabalhando o antecedente das Escrituras conforme conhecido (conhecimento partilhado) pelo povo da aliança; este termo aparece em Gênesis 1.26-28.
O termo estava relacionado com o mandato cultural que perpassa o social, e assim, segue para o espiritual. Aqui no texto de Gênesis 1.28 o termo “abençoou-os” devem ser entendidos nesta perspectiva dos três mandatos.
O Senhor deu a sua benção à humanidade assegurando-lhe deste modo que sob o controle soberano e por meio de seu poder sustentador e capacitador, a humanidade seria capaz de cumprir as ordens (notem-se os imperativos) que Deus deu à humanidade e que ele espera que ela cumpra. A ênfase da passagem é sobre o mandado a ser assumido e cumprido mediante a benção sustentadora de Deus. Isto aplica-se às criaturas vivas nas águas e às aves (Gn. 1.20-22), a Noé e aos outros mencionados nas passagens relacionadas para estudo comparativo. (GRONINGEN, 2003, p.100).

A mesma tônica é repetida em Gênesis 12.1-4. As responsabilidades pactuais que se estabeleceu em Gênesis 1 seguem à narrativa de Gênesis 12.1-4; e o papel destes representantes pactuais é ser benção e fazer o reino de Deus dilatar-se neste mundo.
O conceito de fazer “uma grande nação” de um patriarca como Abraão relembra-nos o conceito de descendência conforme entendido em Gn.3.15. a descendência de Abraão implica que haverá um mediador entre o homem e Deus; todavia, tal mediador deverá ser um descendente de Abraão.
No decorrer da história redentiva nós somos informados que esta promessa fora cumprida em Isaque e posteriormente em Cristo Jesus. Na leitura veterotestamentária pela analogia da fé. Entende-se que em Cristo, descendente de Abraão, Deus tem abençoado toda a humanidade – os eleitos de Deus consistem na nova humanidade restaurada.
Longman nos lembra que
Em Gênesis 12, Deus promete a Abraão que ‘de ti farei uma grande nação’(vs. 2). Essa promessa deixa implícitas tanto uma terra quanto descendentes. E, que diz respeito a descendentes, a promessa é, com freqüência, explicada de conformidade com as idéias encontradas em Gênesis 15.5: ‘Então, conduziu-o até fora e disse: Olha para os céus e conta as estrelas, se é que o podes. E lhe disse: Será assim a tua posteridade.’Em outras palavras, o cumprimento dessa promessa será claramente associado à multiplicação dos descendentes de Abraão, mais tarde conhecidos como Israelitas. Por esse motivo é surpreendente encontrar Paulo elaborando o seguinte raciocínio em Gálatas 3.15,16: "15 Irmãos, falo como homem. Ainda que uma aliança seja meramente humana, uma vez ratificada, ninguém a revoga ou lhe acrescenta alguma coisa. 16 Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo."(LONGMAN,2009, p. 202).

Esta abordagem nos ajudar a entender o seguinte princípio: a analogia fidei – analogia da fé – que vê o evento escatológico – Cristo; como sendo algo central à história da redenção do homem pecador.
É por esta perspectiva que a Igreja deve viver e fazer ressoar a sua proclamação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

* O autor é membro da Igreja Presbiteriana do Brasil e atualmente leciona línguas bíblicas no Seminário Presbiteriano Fundamentalista do Brasil.
1. LONGMAN III, Tremper. Como Ler Genesis. Tradutor: Marcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2009.
2. GRONINGEN, Gerard Van. Revelação Messiânica No Antigo Testamento – A Origem do Conceito Messiânico e o seu Desdobramento Progressivo. Tradutor: Claúdio Wagner. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.
3. KAISER, Walter. Teologia do Antigo Testamento. Tradução: Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 1984
4. HARRIS, at als, Theological Wordbook of the OT in: Bible Works7, 2007.
5. EICHRODT, Walther. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Hagnos, 2004


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