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sábado, 11 de dezembro de 2010

Batismo infantil, prática da igreja primitiva

A prova de que esta prática existia, pelo menos desde cedo, está na condenação que dela faz Tertuliano.
Perto do ano 200, este severo teólogo condenou o costume de batizar crianças.
Não haveria a condenação se a prática não estivesse difundida.
Hipólito (169-235), em sua obra “Tradição Apostólica” (215 d.C), recomenda: "Sejam batizadas, primeiramente as crianças"


A oposição regular veio dos Anabatistas. Estes condenavam os Reformadores porque, tendo recebido o batismo na Igreja Católica, ao tornarem-se protestantes não se tinham voltado a batizar e ainda mantiveram nas novas Igrejas a prática pedobatista. Calvino, que também fora batizado na infância e nunca aceitou um rebatismo, teve o cuidado de dedicar um longo capítulo das suas Institutas a este assunto (Livro IV, cap. XVI),
para mostrar o erro das conclusões anabatistas, que, como outros radicalismos, ameaçavam a obra da Reforma. Até por esse capítulo de Calvino podemos ver que os argumentos dos anabatistas eram os mesmos que hoje são usados contra as Igrejas que batizam crianças, mas ao grande teólogo de Genebra não faltaram textos bíblicos para justificar aquela prática.
Os Pais da Igreja, como Irineu ( século II ), por exemplo, se referem ao batismo infantil ; sendo que o próprio Orígines ( século III ) foi batizado quando criança.
Afirma Orígenes (185 - 255) sobre o batismo infantil: "A Igreja recebeu dos Apóstolos a tradição de dar batismo também aos recém-nascidos". (Epist. ad Rom. Livro 5, 9). E Cipriano, em 258, adverte: "A graça do batismo não deve ser apartada de ninguém e especialmente das crianças". (Carta a Fido).
Clemente de Alexandria (155-225), diz que o batismo se destina "a crianças pequenas"(0 Pedagogo, 195 d.C, 3:11);
No século III, um sínodo do Norte da África determinou que era permitido batizar as crianças "já a partir do segundo ou terceiro dia após o nascimento" (Epístola 64 de Cipriano).
O Sínodo de Elvira (306-312 d.C) recomenda: "As crianças devem receber o banho do batismo"
Em 418, o Concílio de Cartago declara: "Também os mais pequeninos, que não tenham ainda podido cometer pessoalmente algum pecado, são verdadeiramente batizados para a remissão dos pecados, a fim de que, mediante a regeneração, seja purificado aquilo que eles têm de nascença" (Dz.-Sch., Enquirídio, nº 223).
Já no século II a patrística trata o batismo infantil com naturalidade: Irineu de Lião (+ 202) considera óbvia, entre os batizados, a presença de "crianças e pequeninos" ao lado dos jovens e adultos (Contra as Heresias II-24,4).
Os pais da igreja de um modo geral sempre aceitaram o batismo infantil como uma prática vinda desde os tempos apostólicos e pelo menos 9 dentre 12 pais da igreja, o aceitaram foram eles: Justino Mártir, Irineu, Orígenes e posteriormente Agostinho.
Justino o Mártir (89-166), em sua "Primeira Apologia"(150 d.C), afirma que no batismo, "muitos homens e mulheres se tornaram discípulos desde crianças"(15:6); e em seu "Diálogo com Trifo"(160 d.C), diz que o batismo é uma "Circuncisão Espiritual"(43:2).
A argumentação é muito maior e forte para quem aceita essa prática do que para aqueles que não a vêem com bons olhos. Se por um lado os opositores a essa doutrina dizem não haver exemplos explícitos disso em o NT, também não há a menor referência a batismos de adultos nascidos e criados em lares cristãos.

Calvino usa os seguintes argumentos:

“O Senhor disse expressamente que a circuncisão que se administra às crianças lhe servirá de confirmação do pacto que temos exposto. Se pois, o pacto permanece sempre o mesmo, é de todo certo que os filhos dos cristãos não são menos participantes dele do que foram os judeus do AT. E se participam da realidade significada, por que não lhes a de ser comunicado também o sinal.”

“Alguns espíritos mal-intencionados se levantam contra o nosso hábito de batizar crianças, como se essa prática não tivesse sido instituída por Deus, mas se tratasse de algo inventado pelos homens recentemente, ou ao menos pouco tempo depois dos apóstolos. Em face disso, achamos que, por dever de ofício, é preciso confirmar e fortalecer, nesse ponto, as consciências fracas e refutar as falsas objeções dos enganosos oponentes, com as quais eles poderiam perverter a verdade de Deus no coração das pessoas simples, não suficientemente preparadas para contestar suas astúcias sutis e hipócritas.”

"Assim como os filhos dos judeus eram chamados linhagem santa, porque eram herdeiros da aliança e eram separados dos filhos dos incrédulos e dos idólatras, assim também os filhos dos cristãos são chamados santos, ainda que só o pai ou a mãe seja crente."

Portanto o batismo infantil é bíblico e não podemos negar ou passar desapercebidos a esse fato que é tão importante para a edificação dos membros, para o conforto de saber que nossos filhos pertencem ao pacto e traz sobre nós pais, a responsabilidade de ensinarmos os nossos filhos no caminho do Senhor.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Brasil: um protestantismo neoanabatista?

Robinson Cavalcanti

Samuel Escobar, um dos fundadores da Fraternidade Teológica Latino Americana (FTL), escreveu sobre a “anabatistização” do protestantismo do nosso continente, não importando a denominação. Não é só o fato de apenas aqui as igrejas evangélicas rebatizarem católicos romanos e ortodoxos orientais, contrariando os reformadores e sua prática em outros continentes. Trata-se do anabatismo como ideologia, formada a partir da Reforma Radical, com desdobramentos históricos. Vejamos suas marcas.

1. A “apostasia da igreja” como leitura histórica. Da morte de João ao nascimento de Lutero, tudo o que a igreja fez foi errado e a fez se afastar de sua “pureza” original. Isso se chocava com a Primeira Reforma (Lutero, Cranmer) e a Segunda (Calvino), que consideravam os velhos corpos cristãos não-reformados, a despeito de seus “erros, desvios e superstições”, autênticas expressões do Corpo de Cristo. Essa ideologia desqualifica quinze séculos de história e retira dela a presença do Espírito Santo.

2. O “restauracionismo” como princípio re-fundante. Se todo o passado foi de erros, o novo grupo vai “restaurar” a pureza da igreja, segundo entende (séculos depois) o que era a igreja primitiva. Temos tido ciclos de expressões restauracionistas, dentro do espectro da igreja, na fronteira (adventismo) e fora dela (Testemunhas de Jeová).

3. O “presentismo”. C. S. Lewis denuncia as gerações que, movidas por um sentimento anti-histórico, não levam em conta a tradição apostólica nem o consenso dos fiéis, e querem reinventar a roda, em sua superficialidade.

4. Uma eclesiologia dualista e minimalista. Um dualismo neoplatônico entre organismo (bom, de Deus) e instituição (má, dos homens), entre “igreja invisível” e “igreja visível” que, em uma concepção minimalista, é a “igreja local” (congregação), crendo em uma Igreja de Jerusalém regida pelas regras parlamentares de Westminster. Um conjunto dessas “igrejas locais”, com suas peculiaridades, forma uma “denominação” (conceito novo e extrabíblico), com a demonização das organizações históricas, a negação dos sacramentos e o desprezo pela hierarquia ministerial.

5. Iconoclastia. Rejeição de toda a arte sacra: arquitetura, escultura, pintura, símbolos, vestes, ritos. O inestético é o espiritual; a informalidade, a recuperação da pureza. A psicanálise tem estudado a relação entre neuroses e rejeição à arte, por repressão ao prazer. O “teológico” como fachada para o psicológico. A ideologia anabatista perpassou vários momentos na história da igreja, desde os “entusiastas”, encontrados (e combatidos) no luteranismo e no anglicanismo do século 16, ao menonismo de vários matizes (Amish, huteritas), o pietismo, os Quackers, os Irmãos Livres (Irmãos de Plymouth), o “Pequeno Rebanho” (Watchman Nee/Witness Lee) e suas “igrejas locais”, “igrejas sem nome”, “comunidades evangélicas”, “igrejas nos lares” (House Churches), igrejas emergentes e novas iniciativas. Algumas dessas expressões se pretendem pós-denominacionais, ou não-denominacionais (são apenas variações de igrejas batistas e/ou pentecostais), sem usar esse título, outras mantêm vínculos mínimos, ou estão “hospedadas” nas igrejas históricas ligadas a movimentos ou redes de ideologia de fundo anabatista, que poderíamos denominar de neoanabatismo. Algumas mantêm uma ênfase nas doutrinas históricas, outras afirmam que “as pessoas querem saber de vida e não de doutrinas”, havendo até quem negue o apóstolo Paulo e se resuma à pretensa radicalidade do reino, aos ensinos de Jesus. Uma das marcas do neoanabatismo contemporâneo foi herdada do liberalismo: tornar o evangelho palatável para o homem pós-moderno, como aqueles pretendiam fazer para o moderno. A cultura secular termina por impor a agenda da igreja, na linguagem, nos métodos, nas abordagens e no próprio conteúdo. “O homem pós-moderno não aceita essas coisas. Não faz sentido.” Um setor tem a preocupação em estabelecer “igrejas locais” para as tribos urbanas. E se esses jovens amadurecerem? Billy Graham, sem menosprezar a importância da comunicação transcultural, diz que atrás de qualquer “casca” está um pecador que necessita se arrepender e depositar a sua fé em Jesus Cristo, e que para todas as culturas há um eterno evangelho a ser anunciado. Será que as pessoas mais refinadas, artisticamente sensíveis, terão de ficar presas aos extremos da idolatria e da iconoclastia, sem lugar para uma igreja reformada valorizadora da história, do consenso dos fiéis, da reverência e da beleza na adoração, incluindo os símbolos e a liturgia? Quem rejeita a idolatria está condenado ao empobrecimento estético, à iconoclastia do presentismo informalista? O pretensamente “novo” não é apenas um “remake” de velhas iniciativas. O neoanabatismo é um fenômeno crescente, que atinge, mais ou menos, todas as denominações, como rolo compressor em nosso continente e nosso país. Os histórico-estéticos, porém, insistem em sua identidade. As outras expressões do protestantismo, histórico-estéticas, continuam a afirmar outras alternativas para a fé reformada.

Edward Robinson de Barros Cavalcanti é um teólogo, político e bispo da Igreja Anglicana do Cone Sul da América, comandando a diocese de Recife. Foi professor da Universidade Federal de Pernambuco e escreveu dez obras sobre religião. Em 1997 foi eleito bispo da diocese de Recife. Como bispo diocesano, ordenou 57 diáconos e 49 presbíteros. Nesses sete anos foram abertas 34 das presentes 44 comunidades da Diocese Anglicana do Recife.

Fonte: Ultimato

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Deus requer que eu dê o dízimo de tudo quanto ganho?



por

John F. MacArthur Jr.








Questão

Deus requer que eu dê o dízimo de tudo quanto ganho?



Resposta:

Dois tipos de dar são ensinados consistentemente durante toda a Escritura: dar para o governo (sempre compulsório) e dar para Deus (sempre voluntário).


O assunto tem sido grandemente confundido, todavia, por alguns que entendem mal a natureza dos dízimos do Velho Testamento. Os dízimos não eram primariamente ofertas a Deus, mas taxas para suprir o orçamento nacional em Israel.


Porque Israel era uma teocracia, os sacerdotes Levíticos atuavam como um governo civil. Assim, o dízimo Levítico (Levítico 27:30-33) foi um percussor do imposto de renda de hoje, visto que era um segundo dízimo anual requerido por Deus para suprir uma festa nacional (Deuteronômio 14:22-29). Taxas menores foram também impostas ao povo pela lei (Levítico 19:9-10; Êxodo 23:10-11). Assim, a doação total requerida dos Israelitas não era 10 por cento, mas mais do que 20 por cento. Todo esse dinheiro era usado para colocar a nação em funcionamento.


Toda doação aparte daquela que era requerida para colocar o governo em funcionamento, era puramente voluntária (cf. Êxodo 25:2; 1 Crônicas 29:9). Cada pessoa dava conforme o que estava em seu coração; nenhuma percentagem ou quantia era especificada.


Os crentes do Novo Testamento nunca são ordenados a dizimar. Mateus 22:15-22 e Romanos 13:1-7 nos contam sobre a única doação que é requerida na era da igreja, que é o pagamento de impostos para o governo. Interessantemente, nós na América, atualmente pagamos entre 20 e 30 por cento de nossos rendimentos para o governo - uma figura muito similar ao requerimento sob a teocracia de Israel.


A linha de direção para a nossa doação para Deus e Sua obra é encontrada em 2 Coríntios 9:6-7: “E digo isto: Que o que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia em abundância, em abundância ceifará. Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com alegria”.

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Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto

Cuiabá-MT, 25 de Fevereiro de 2003.



Fonte: Monergismo

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A mediunidade protestante

Robinson Cavalcanti

Quando tive a honra de ser professor do Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), no Recife, conheci um aluno que nos dias de semana passava a tarde dormindo ou jogando futebol na quadra, enquanto deveria pregar nas congregações. O mesmo era conhecido por se pretender “espiritual” e “renovado”. Intrigados, procuramos saber se ele não estudava as Escrituras e preparava os sermões com antecedência. O mesmo considerou tal expediente muito “carnal”. Ao dormir a tarde toda ou jogar bola, ele acreditava deixar a mente limpa para o Espírito Santo “baixar” com seu recado, de forma pura e cristalina, logo mais à noite...

Devemos reconhecer a força cultural do espiritismo e dos cultos de origem afro-ameríndia, e como eles influenciaram a percepção de espiritualidade de algumas igrejas protestantes. O Espírito Santo e os anjos funcionam como espécies de “orixás evangélicos”, “baixando” sobre pastores e missionários, qual “médium protestante”. Isso sem falar em “profetas”, principalmente “profetizas”, com suas revelações particulares sobre saúde, família e negócio, tomando o lugar simbólico das benzedeiras do catolicismo popular, das cartomantes e dos pais e mães-de-santo. Há uma forte equivalência simbólica.

Nos cultos, ou se tem os “médiuns” ou se tem os “artistas”, que lideram o show-da-fé, no centro do palco e das atenções, promovendo o entretenimento.

C.S. Lewis denunciava as gerações que desprezam as outras do passado, supervalorizando o presente (presentismo). Isso não somente atenta contra a herança apostólica e o consenso dos fiéis, vivenciado através dos séculos, como também pretende ser melhor: restauradores da “pureza” e outras formas de arrogância espiritual, que rompem a unidade mística da “comunhão dos santos” (conforme confessamos nos Credos).

John Stott diz que o que faz uma liturgia viva ou morta, seja ela mais ou menos estruturada (não há liturgia informal, pois o “informal” é, apenas, uma outra forma), é o fato de os fiéis serem convertidos ou não e acreditarem ou não no que se pronuncia. A entonação, os sentimentos, a fé fazem a diferença. Foi o mesmo Stott quem disse que “um anglicano carismático não é um pentecostal”.

Somos carismáticos porque acreditamos que não há igreja sem o Espírito Santo, e não há presença do Espírito Santos sem carismas. Se Hans Kung disse que uma das marcas do anglicanismo era a sua aversão a extremismos, alguém também afirmou que “na Igreja Anglicana o Espírito Santo sopra como um gentil cavalheiro”.

Somos uma igreja que preza dois mil anos de herança litúrgica da igreja, católica e reformada. Herança que é o conjunto do que foi, nas diversas etapas e lugares, fruto da ação do Espírito Santo nas comunidades de fé. Daí o Livro de Oração Comum -- Bíblia pura, ortodoxia pura -- ser uma das marcas distintivas do anglicanismo. Os seus diversos ritos não engessam os crentes, antes os edificam, e podem ser intercalados com orações espontâneas, cantos, declamações, teatro, testemunho, em uma convergência com um presente que não rompe com o passado. Uma das maiores contribuições que a Diocese do Recife está fazendo para a maturidade da igreja no Brasil é a edição (ora no prelo) do Livro de Oração Comum Brasileiro (LOCb).

Há quem goste de culto batista tradicional, e nós os respeitamos. Quem gosta desse tipo de culto é livre para adorar em uma Igreja Batista. Há quem gosta de culto pentecostal “clássico”, e nós os respeitamos. Quem gosta desse tipo de culto é livre para ir, por exemplo, e adorar na Assembléia de Deus. Há quem goste do culto neo (pós) pentecostal, com apóstolos, banhos de descarrego, retirada de encostos e três recolhimentos de ofertas, e nós os respeitamos. Quem gosta desse tipo de culto é livre para ir à Igreja universal, Internacional ou Mundial. Agora, pelo amor de Deus, deixem o anglicanismo em paz, com sua liberdade litúrgica, com sua diversidade, sim, porém “com ordem e decência”, com a alegria do Espírito Santo e o LOCb na mão. E isso não é “anúncio de missa de sétimo dia” para se adotar como “um doloroso dever”, mas uma adesão livre, convicta e entusiástica.

Somos uma igreja sem mediunidade, sem estrelismo e sem “showbiz”, graças a Deus!

Edward Robinson de Barros Cavalcanti é um teólogo, político e bispo da Igreja Anglicana do Cone Sul da América, comandando a diocese de Recife. Foi professor da Universidade Federal de Pernambuco e escreveu dez obras sobre religião. Em 1997 foi eleito bispo da diocese de Recife. Como bispo diocesano, ordenou 57 diáconos e 49 presbíteros. Nesses sete anos foram abertas 34 das presentes 44 comunidades da Diocese Anglicana do Recife.

Fonte: Genizah

domingo, 6 de junho de 2010

A Santa Ceia: testemunho da presença de Cristo

Artigo originalmente publicado no Boletim da Igreja Presbiteriana de Franca/SP (IPB), ano XII, n.º 226, de 6 de junho de 2010, IX Domingo do Tempo Comum, por ocasião do feriado de Corpus Christi.

“Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo?” (I Co. 10.16)

Na última quinta-feira, segundo o calendário da Igreja Católica Romana, foi observada a solenidade de Corpus Christi. Esse dia foi transformado em feriado por causa da importância para a teologia romana daquilo que ele comemora: a presença de Cristo na Eucaristia. Eu gostaria de investir algum tempo neste assunto, hoje. A questão da presença (ou da ausência) de Cristo no Sacramento da Eucaristia, que é a Santa Ceia do Senhor, foi um dos assuntos mais acaloradamente discutidos de toda a história do Cristianismo, e ainda hoje é motivo de dúvida e de divisão no seio da Igreja. Desde a Antigüidade até os dias de hoje, estudiosos como Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Philip Melanchton, Ulrico Zwinglio, João Calvino, Karl Barth e vários outros, escreveram obras com milhares de páginas e dezenas de volumes para tentar explicar em detalhes como é que isso acontece, de Cristo estar presente conosco, quando nos reunimos em torno da sua Mesa.

A Igreja Romana, com a força de seu magistério, impõe a seus fiéis a crença de que, a cada missa, o sacrifício de Jesus Cristo na cruz é atualizado, ou repetido, nas figuras do pão e do vinho, que se transformam, milagrosamente, no Corpo e no Sangue do Senhor, partido e vertido para o perdão dos nossos pecados (a isso dá-se o nome de transubstanciação). Como para eles, os elementos se tornam o corpo sacrificado do Senhor Jesus, toda reverência e adoração são devidos a eles, pois ali enxergam o próprio Cristo.

Quando veio a Reforma Protestante no século 16, muitos dos reformadores ofereceram sua própria interpretação para o que realmente acontece na Mesa da Comunhão. Nenhum deles podia aceitar que o grande sofrimento e sacrifício do Senhor descrito nos Evangelhos, fosse de alguma forma insuficiente, que tivesse de ser repetido a cada domingo. Pelo contrário, a afirmação de que Cristo se deu por nós, de uma vez por todas e de maneira suficiente para a salvação do mundo, é um dos marcos com os quais todos os protestantes concordam. Mas ficou a questão: o que acontece, então, quando comemos do pão e bebemos do cálice?

Para os luteranos, acontece uma união sacramental entre Cristo e os elementos da Santa Ceia. Pão e vinho não deixam de ser pão e vinho. Mas assim como na Encarnação, pela ação do Espírito Santo, o Filho de Deus se uniu com a natureza humana para se tornar Homem-Deus, também crêem eles que pela ação do Espírito Santo, Cristo se une sacramentalmente com os elementos do pão e do vinho, “nos quais, com os quais e sob os quais” ele manifesta a presença de seu Corpo e de seu Sangue (Fórmula de Concórdia, Cap. 7).

Por outro lado, Ulrico Zwinglio, pensador do racionalismo humanista e primeiro reformador da Igreja de Genebra, se opôs aos luteranos dizendo que na verdade, o corpo físico de Cristo está no céu, para onde os Apóstolos o viram subir na Ascensão (Mc. 16.19-20; Lc. 24.50-53; At. 1.6-11), de modo que é impossível que ele se faça corporeamente presente na Santa Ceia. Para Zwinglio, o significado central e a grande importância da Santa Ceia não era nenhum valor místico ou espiritual, mas sim a humilde obediência à palavra de Cristo, “fazei isto em memória de mim” (I Co. 11.24-25). O entendimento zwingliano da Santa Ceia não era o de um sacramento, mas sim de uma refeição memorial, meramente simbólica, o cumprimento de uma ordem (ordenança) de Jesus. (Calvino, Breve tratado sobre a Ceia do Senhor, § 56) Atualmente, os batistas e todas as novas igrejas evangélicas e pentecostais adotam esse entendimento.

Mas e a nossa Igreja, o que diz sobre isso?

Como presbiterianos, nós somos herdeiros da linha teológica do reformador João Calvino, que substituiu Zwinglio em Genebra quando este morreu durante as guerras religiosas contra os estados católicos da Suíça. Calvino defendia a presença espiritual de Cristo na Santa Ceia. Mas diferente dos romanos e luteranos, e tomando por base uma frase da liturgia tradicional da Eucaristia (“sursum corda”, “elevemos os corações”), ele dizia que não era Cristo quem descia para tomar forma de pão e de vinho, mas era a Igreja quem era elevada espiritualmente aos céus para participar da Ceia na presença de seu Senhor (Calvino, Breve tratado sobre a Ceia do Senhor, § 51).

Segundo a nossa teologia, não acontece qualquer transformação interna no pão e do vinho, nem é repetido o sacrifício de Cristo na cruz. Não obstante, pela operação do Espírito Santo, todos quantos, com fé, comem e bebem e são alimentados fisicamente do pão e do vinho, também comem e bebem e são alimentados espiritualmente do Corpo e do Sangue de Cristo. O sacrifício do Senhor Jesus na cruz não é repetido, mas os benefícios da sua morte em nosso lugar são atualizados, trazidos para nós no presente pela ação do Espírito Santo. (Calvino, As Institutas, IV.17.10; Confissão de Fé de Westminster, 39.7)

Quando comemos do pão e bebemos do cálice, diz o Apóstolo Paulo, anunciamos a morte do Senhor até que ele venha (I Co. 11.26). Quando participamos da Comunhão do Corpo e do Sangue do Senhor, nos é dada uma prévia, uma amostra e uma garantia do grande banquete que nos aguarda, quando Cristo finalmente vier buscar sua Noiva, que é a Igreja (Ap. 19.9). Portanto, a celebração da Santa Ceia, do Sacramento da Eucaristia, é um testemunho visível, palpável e (por que não?) saboreável do mistério da nossa fé, do motivo da nossa viva esperança (I Pe. 3.15), de que Cristo morreu e ressuscitou, e voltará na glória do seu reino eterno.

Deus nos conceda que, como testemunhas fiéis, que testemunham da verdade, possamos comunicar ao mundo a Verdade do Evangelho, para que, vendo o mundo nossa perseverança “na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações”, “com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo” (At. 2.42, 46, 47), acrescente-nos o Senhor, dia a dia, os que serão salvos.

Eduardo H. Chagas

Aspirante ao Sagrado Ministério

Fonte: Sociedade Pela Liturgia Reformada

terça-feira, 1 de junho de 2010

Como é na prática o culto presbiteriano?


Encontrei uma descrição de um culto, em minha opinião bem de acordo com nossa tradição confessional, não tão litúrgico como muitos desejariam e também não tão espontâneo como está na moda.
Está ai o "depoimento", de como é, ou pelo menos, de como deveria ser o culto em uma Igreja Presbiteriana.

A Igreja: Primeira Igreja Presbiteriana do Brasil em Belo Horizonte

Denominação: Igreja Presbiteriana do Brasil, IPB.

O prédio: Um lindo santuário em design anos 50, com símbolos cristãos e clarabóia de vitral acima do Presbitério. Não muito grande, mas aconchegante. As janelas são finas e poucas, mas não há calor: o pé-direito é alto, e há ar-condicionado (certamente mais por causa da segunda razão que da primeira). Há um edifício para as demais atividades da igreja ao lado, e sob o santuário também.

A comunidade: Ah, o pessoal da PIP é nata da sociedade. Sério. Mas não quer dizer que sejam arrogantes, muito pelo contrário. São pessoas simpáticas, e parecem muito bem integradas.

A vizinhança: A Igreja é muitíssimo bem localizada. Fica na região central de BH sem ser, contudo, no centrão. Fica no Funcionários, bairro de classe alta, no cruzamento de duas importantes avenidas: Afonso Pena e Getúlio Vargas. Há metrô, ônibus e acesso por carro também para quem queira. A região é segura, de temperatura amena e vista agradável. Há o problema dos carros passando pela Afonso Pena, mas não chega a atrapalhar o culto.

Elenco: Revdo. Ludgero Morais, direção e pregação; os outros pastores da igreja o acompanhavam. Profª. Maria Guilhermina ao Órgão (Viscount Prestige 80, um privilégio), e Profª. Helena Freire ao Piano.

Data e Horário: Domingo, 19/09/2009, 10:20.



Qual o nome do culto? Culto Dominical Matutino

Quão cheio estava o salão de cultos? Cheguei em torno das 10h, estava com menos de 30%, mas lotou rápido. Antes do culto os bancos já estavam todos cheios, e depois do culto os retardatários ocuparam a galeria e as cadeiras que se põe ao lado dos bancos. Todos os cultos lá são bem cheios.

Alguém lhe deu boas-vindas? Diáconos à porta; presbíteros a caminho para o banco. Dna. Regina Helena, esposa do pastor, depois que eu já tinha me sentado.

Seu assento era confortável? Banco de madeira, sem estofamento, mas de boa construção. Não é o máximo do conforto, mas não dói o corpo durante o culto.

Como você descreveria o ambiente antes do culto? As pessoas chegam, cumprimentam quem está à volta, e oram até o culto começar. Alguns continuam conversando, mas baixo, e respeitosamente.

Quais foram, exatamente, as palavras de abertura do culto? "Bom dia, meus irmãos; vamos proceder a leitura Bíblica, conforme impressa em nosso boletim".

Que livros foram usados pela congregação durante o culto? Cada um com sua Bíblia, alguns com seus hinários, mas a igreja dispõe Hinários Novo Cântico nos compartimentos dos bancos, e são os da edição de partituras!

Que instrumentos musicais foram tocados? Piano e Órgão. Os hinos são "puxados" pelo Rev. Ludgero, com seu possante baixo.

Algo o distraiu? Um pouco difícil. O silêncio é absoluto na congregação. Um mosquito seria ouvido. Os comentários do meu amigo que foi comigo, com certeza.

O estilo do culto, qual era? Saltitante, engessado ou o quê? A maioria dos crentes de BH, da onda lagoinha, detesta o culto da 1a. Ele não é nem um pouco emotivo. Na verdade, deve-se ressaltar que quando o fenômeno lagoinha explodiu, a PIP foi a igreja que tomou a frente contrária. Alguns diriam Engessado, eu prefiro santo, reverente.

Qual a duração exata do sermão? Pouco mais de 20 minutos.

Numa escala de 1 a 10, quão bom era o sermão? E o pregador? 10 para o sermão, 10 para o pregador. Mensagem teologicamente relevante, bíblica, racional, inteligível. Nada de "diga ao irmão ao seu lado". E o Rev. Ludgero é um tribuno de retórica envolvente, consegue transmitir a emoção da mensagem (o que poderia ser tido como o único momento emotivo do culto) na sua sermônica.

Em suma, sobre o que foi o sermão? Em referência direta à morte do Rev. Geraldo Braz dos Santos, pastor emérito da PIP na sexta-feira anterior, foi uma reflexão sobre como este nosso tabernáculo terrestre se desfaz, sendo substituído pelo celestial. E, principalmente, sobre a vida cristã, que independe das circunstâncias imediatas de nossa vida (a exemplo do Rev. Geraldo, que sofreu mais de 10 anos com o câncer, sem, contudo, deixar sua fé, sua certeza, sua esperança).

Que parte do culto foi como estar no céu? Todo ele.

E qual parte foi como estar... hã... no outro lugar? Não houve tal parte.

O que aconteceu depois do culto? Fui à casa de meu amigo, que é vizinho da igreja, almoçar feijoada.

Como você descreveria o cafezinho após o culto? Não é um costume por lá.

Como você se sentiria em congregar nesta igreja? (numa escala sendo 10 = extasiado e 0 = terminal) 10! É uma excelente igreja!

O Culto o fez feliz por ser um cristão? Totalmente.

O que você vai guardar na memória deste culto? O som do órgão; a mensagem do Rev. Ludgero; o abraço terrivelmente apertado que ele dá a todos à porta (doeu minhas costas... rsrsrs).


Site da referida Igreja: http://www.primeiraipbh.org.br/

Fonte: http://participantesecreto.blogspot.com/

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Colarinho Clerical


ORIGEM E SIGNIFICADO
O uso de vestes especiais por parte dos oficiais da igreja serve para representar o seu ministério entre o povo. Entre estas vestes especiais se destaca o colarinho clerical. Este é normalmente o colarinho de uma camisa ou colete com uma aba branca destacável frente. Originalmente era feito de algodão ou linho, mas normalmente é feito hoje de plástico. Às vezes (especialmente na prática católica romana) a aba é fixa com um colarinho que cobre quase completamente, deixando um quadrado branco pequeno à base da garganta. Em muitas igrejas e em muitos locais, por não saberem da origem e do significado, não se aceita o uso de colarinho clerical. Com a devida orientação os cristãos passarão a entender a conveniência e a oportunidade do seu uso.

Origem e uso: O colarinho clerical é uma invenção bastante moderna (é provável que tenha sido inventado em 1827). Aparentemente, foi inventado pelo Rev. Dr. Donald McLeod, pastor anglicano. Foi desenvolvido para ser usado no trabalho cotidiano do ministro (mais prático que a batina). Hoje é usado por pastores nas diversas denominações Cristãs como presbiteriana (é dito que o colarinho clerical se originou na Escócia), luterana, metodista, pentecostais e, também, por ministros Cristãos não denominacionais. Os católicos romanos passaram a usá-lo a partir do Concilio Vaticano II, em substituição a batina, em situações especiais, essa adoção deve-se aos padres Jesuítas. É usado por todos os graus de clero: bispos, presbíteros (padres) e diáconos, e também por seminaristas. Na tradição Oriental, às vezes, os subdiácono e leitores também o usam.

Significado: O colarinho clerical simboliza que quem o usa é um servo, pois este colarinho estava ao redor do pescoço dos escravos no mundo antigo. As pessoas que o usam servem como Ministros de sua Palavra. Toda a igreja tem compromisso com o testemunho de Cristo no mundo, no entanto, o pastor compromete-se de modo específico com o Ministério da Palavra. Assim, o colarinho clerical simboliza esse compromisso pastoral com o anúncio do Evangelho. O colarinho branco sobre fundo preto envolvendo a garganta é simbólico da Palavra de Deus proclamada.

Relevância: O uso de símbolos é um sinal e um testemunho vivo de Deus no mundo secularizado. Pois uma das características do movimento de secularização o desprezo por sinais e símbolos religiosos. Para as pessoas o fato de ver um ministro com o colarinho clerical já é um testemunho de fé. Assim como vendo um militar lembramos-nos da Lei, e vendo um enfermeiro (a) com seu uniforme branco lembramos o hospital. Igualmente é válido para os pastores que freqüentam lugares públicos usar o colarinho clerical.

Conclusão: O Revmº. Robinson Cavalcanti, Bispo anglicano, testemunha: “Sempre viajo, e me dirijo a eventos públicos, vestido de colarinho clerical (clergyman), sem vergonha de ser cristão e de ser ministro do Evangelho. Se pouquíssimas vezes fui por isso hostilizado na Universidade, perdi a conta das centenas de oportunidades para testemunhar de Cristo, a partir desse aspecto visual”. Em nosso mundo dessacralizado, os símbolos não podem ser esquecidos. Não podemos nos conformar com o século. O colarinho clerical é um símbolo importante. Sacraliza visivelmente o mundo sinalizando a dedicação ao ministério.

Recebi este texto através de e-mail pelo Rev. Jaziel Cunha, Igreja Presbiteriana Conservadora.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Cristãos contra o Natal




Temos um movimento crescente de “Cristãos Contra o Natal”! A chamada “festa máxima da cristandade” está sob ataque cerrado de vários flancos e desta vez a luta é interna! Multiplicam-se os textos e os posicionamentos não apenas contra as características eminentemente comerciais do feriado (esse viés sempre foi um legítimo campo de batalha dos cristãos), mas somos alertados que o Natal não é nada mais do que um feriado pagão assimilado pela igreja medieval, e que persiste no campo evangélico apenas por desconhecimento do seu histórico. Essa origem, além da exploração comercial, inviabilizaria a sua observância religiosa pelos cristãos sendo fútil a tentativa de se resgatar o conceito abrigado no desgastado chavão do “verdadeiro sentido do Natal” (postei algo sobre isso em 20 de dezembro de 2005).

A literatura já nos brindou com alguns exemplos de personagens que não gostavam do Natal. Temos Charles Dickens, no livro Um Conto de Natal (teria sido melhor traduzido como “Um Cântico de Natal”),[1] trazendo a história de Ebenezer Scrooge, durante um período de festividades natalinas. Scrooge era um homem rico, não ligava para ninguém; desprezava as crianças pobres; era avarento e egoísta. Teve, entretanto, um sonho no qual empobrece, modificando sua atitude para com a data. A mensagem de Dickens é que a “essência” do Natal conseguiu derreter aquele coração endurecido. Outro personagem famoso é o Grinch – da pena do escritor Dr. Seuss, que publicava seus contos em rimas. Ele escreveu Como Grinch Roubou o Natal,[2] que virou, anos atrás, um filme com o ator Jim Carey. A história retrata Grinch como uma criatura mal-humorada que tem o coração bem pequeno. Ele odeia o Natal – pois não consegue ver ninguém demonstrando felicidade – e planeja roubar todos os presentes e ornamentos para impedir a celebração do evento em uma aldeia perto de sua moradia. Para seu espanto, a celebração ocorre de qualquer maneira. A mensagem de Seuss é que a “essência” do Natal não estava nos presentes ou nos ornamentos – transcendia tudo isso.

Obviamente os “Cristãos Contra o Natal” não têm relação com qualquer desses personagens, ou com aquele outro, registrado nas páginas das Escrituras Sagradas, que também odiou o Natal – o Rei Herodes,[3] mas parece que está virando moda termos cristãos contra o Natal. Além das razões relacionadas com as origens e da distorção comercial já mencionada, temos cristãos que apresentam algumas razões teológicas firmadas em suas convicções do que seria ou não apropriado ao culto e celebrações na Igreja de Cristo.

Cristãos Reformados Contra o Natal!

No campo reformado, principalmente entre presbiterianos e batistas históricos, os argumentos contra o Natal são ampliados com uma veia histórica. Pretende-se provar que a verdadeira teologia da reforma e, principalmente, os reformadores e seus seguidores próximos, foram avessos à celebração do Natal. Argumenta-se que a celebração do Natal fere o “princípio regulador do culto”, defendido pela ala reformada da igreja. Conseqüentemente, se desejamos ser seguidores da reforma, teríamos que, coerentemente, rejeitar a celebração desta data. Nessa linha de entendimento, muitos artigos têm sido escritos[4] presumindo uma linha uniforme de pensamento nos teólogos reformados e correntes denominacionais reformadas no que diz respeito à rejeição da comemoração do Natal. Normalmente, também, o raciocínio se estende a outras datas celebradas no seio da cristandade, tais como a páscoa, que seriam igualmente condenáveis no calendário cristão. Por vezes, a defesa apaixonada deste ponto de vista tem resultado em dissensões e desarmonia no seio da igreja, ou de demonstração de um espírito de superioridade espiritual e auto-justiça, com críticas mordazes e ferinas aos que não se convenceram do embasamento teológico, histórico ou bíblico para a rejeição.

Deixando de lado a questão das origens – se elas têm a força de determinar a correção de uma observância religiosa – o que seria um ensaio à parte, será que a opinião dos reformadores foi sempre uniforme com relação à celebração do Natal e de outras datas importantes ao cristianismo? Será que houve sempre tanta harmonia assim, nas denominações reformadas, com relação à rejeição da comemoração do Natal resultando nessa tradição monolítica? Será que Calvino, realmente, se posicionou contra o Natal? Será que procede o que me escreveu uma vez um irmão reformado, dizendo que a rejeição do Natal seria “coerente com a fé cristã bíblica e reformada, principalmente com a posição presbiteriana histórica, a partir de Calvino e Knox”?

Calvino Contra o Natal?




A primeira coisa que temos a observar é que essa hipotética concordância entre Calvino e Knox não existiu. Nem há uma visão monolítica, sobre a questão, no seio reformado histórico, como muitos pretendem transmitir. Aquele irmão, em sua carta, desafiava: “por favor cite uma fonte primaria de onde Calvino aprova o Natal ou recomenda o mesmo”.

Bom, se é isso que vai ajudar, vamos a ela: uma das fontes primárias é uma carta de Calvino ao pastor da cidade de Berna, Jean Haller, de 2 de janeiro de 1551 (Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, editadas por Jules Bonnet, traduzida para o inglês por David Constable; Grand Rapids: Baker Book House, 1983, 454 páginas; reprodução de Letters of John Calvin (Philadelphia: Presbyterian Board of Publication, 1858). Nela, Calvino escreveu: “Priusquam urbem unquam ingrederer, nullae prorsus erant feriae praeter diem Dominicum. Ex quo sum revocatus hoc temperamentum quae sivi, ut Christi natalis celebraretur”.

Para alguns, isso bastaria para resolver a questão, mas para o resto de nós – entre os quais me incluo, a versão ao vernáculo é necessária. Possivelmente, uma tradução razoável para o português, seria (agradecimentos ao Rev. Elias Medeiros): “Antes da minha chamada à cidade, eles não tinham nenhuma festa exceto no dia do Senhor. Desde então eu tenho procurado moderação afim de que o nascimento de Cristo seja celebrado”.

Uma outra carta, de março de 1555, para os Magistrados (Seigneurs) de Berna, que aderentemente eram contra a celebração do Natal, diz o seguinte: “Quanto ao restante, meus escritos testemunham os meus sentimentos nesses pontos, pois neles declaro que uma igreja não deve ser desprezada ou condenada porque observa mais festivais do que outras. A recente abolição de dias de festas resultou apenas no seguinte: não se passa um ano sem que haja algum tipo de briga e discussão; o povo estava dividido ao ponto de desembainharem as suas espadas” (mesma fonte). No contexto, Calvino parece indicar que os oficiais que haviam abolido a celebração tinham boas intenções de eliminar a idolatria (vamos nos lembrar da situação histórica), mas parece igualmente claro que ele indica que, se a definição estivesse em suas mãos teria agido de forma diferente.

Historicamente, Knox e a igreja a Igreja Escocesa seguiram a opinião dos oficiais de Genebra. Ou seja, em seu contexto histórico de se dissociar de tudo que era catolicismo, reforçou a abolição das festividades, nas igrejas. Mas não esqueçamos que ele também rejeitou instrumentos musicais, cânticos, e várias outras formas de adoração – os “Reformados Contra o Natal” estão dispostos a segui-lo em tudo, como parâmetro infalível?

Ocorre que Calvino é sempre apontado como uma força instigadora e radical, na gestão de Genebra. Na realidade, entretanto, ele agiu, em muitos casos (como no incidente de Serveto) como um pólo de moderação e encaminhamento, mas nem sempre sua opinião prevaleceu. O governo de Genebra era conciliar e fazia valer a visão da maioria. Por exemplo, o Rev. Hérmisten Maia Pereira da Costa aponta que a persuasão de Calvino era a de que a Santa Ceia devia ser celebrada semanalmente, enquanto que nas cidades de Berna e Genebra, no máximo era celebrada quatro vezes por ano. Calvino deu até o que poderíamos chamar de um “jeitinho reformado” ou de um “jogo de cintura” notável. Hérmisten cita: “Calvino procurou atenuar a severidade destes decretos fazendo arranjos para que as datas da comunhão variassem em cada igreja da cidade, provendo assim oportunidade para a comunhão mais freqüente do povo, que podia comungar em uma igreja vizinha” [William D. Maxwell, El Culto Cristiano: sua evolución y sus formas, p. 140-141] Costume este que se tornou comum na Escócia. [Cf. William D. Maxwell, El Culto Cristiano: sua evolución y sus formas, p. 141].

Hérmisten aponta também que em Genebra os magistrados determinaram que a Ceia fosse celebrada no Natal, na Páscoa, no Pentecostes e na Festa das Colheitas [Vd. John Calvin, “To the Seigneurs of Berne”, John Calvin Collection, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), nº 395, p. 163. Vd. também: William D. Maxwell, El Culto Cristiano: sua evolución y sus formas, p. 141]. A conclusão óbvia é a citada pelo Hérmisten: “As cinco festas da Igreja Reformada eram: Natal, Sexta-Feira Santa, Páscoa, Assunção e Pentecostes” (Cf. Charles W. Baird, A Liturgia Reformada: Ensaio histórico, p. 28)]. Podemos dizer que não havia, na essência da questão, celebração do Natal, em Genebra?

A suposta unidade monolítica e histórica dos reformados, sobre esta questão das celebrações de festividades do chamado “calendário cristão” é mais um mito do que verdade. Ousaríamos rotular o Sínodo de Dordrecht (Dordt) de “não reformado” – justamente de onde extraímos os Cinco Pontos do Calvinismo (em 1618)? Pois bem, em 1578, temos a seguinte decisão: “... considerando que outros dias festivos são observados pela autoridade do governo, como o Natal e o dia seguinte, o dia seguinte à Páscoa, e o dia seguinte ao de Pentecostes, e, em alguns lugares, o Dia de Ano Novo e o Dia da Ascensão, os ministros deverão empregar toda a diligência para prepararem sermões nos quais eles, especificamente, ensinarão a congregação as questões relacionadas com o nascimento e ressurreição de Cristo, o envio do Espírito Santo, e outros artigos de fé direcionados a impedir a ociosidade”. Assim, as igrejas reformadas procedentes do ramo holandês comemoram várias dessas datas até em dose dupla (incluindo o dia seguinte). Augustus mencionou não somente este trecho, mas adicionou a admissão dessa visão na Confissão de Fé de Westminster (Cap. 21) e na Confissão Helvética (XXIV). Não ve, igualmente, dano na celebração do Natal, um outro ícone reformado, Turretin (1623-1687)[5]. Ou seja, a rejeição do Natal, atualmente “ressuscitada”, não tem o respaldo histórico-teológico que pretende ter.

Obviamente todos esses referenciais históricos são importantes, mas o que firma a nossa convicção é a Palavra de Deus e nela aprendemos que a questão das origens não determina a propriedade, ou não, de uma coisa ou situação, mas sim a atitude de fé do utilizante. Isso pode ser extraído de um estudo de 1 Coríntios 8.1-13; ou examinando como os artefatos e itens preciosos, surrupiados pelos Israelitas dos Egípcios (imediatamente antes do Êxodo), muitos dos quais com certeza utilizados em cultos e festividades pagãs, foram utilizados em consagração total (e sem restrições) no Tabernáculo (Ex 35 a 39). Das Escrituras, podemos inferir, possivelmente, que Jesus participou de celebrações de festividades que não procediam das determinações explícitas da Lei Mosaica, mas que refletiam ocorrências históricas importantes na história do Povo de Deus – como as festas de Purim[6] e Hanucah[7] – deixando implícita a propriedade dessas celebrações, como algo que, provém “de fé”, não sendo, portanto, pecado. Romanos 14 e 15 trazem considerações sobre tais questões, demonstrando a necessidade da consciência pura, ao lado da preocupação com os irmãos na fé, para que procuremos “as coisas que servem para a paz e as que contribuem para a edificação mútua”. É lá igualmente que lemos (14.15): “Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias; cada um esteja inteiramente convicto em sua própria mente”. Se Deus decidiu não disciplinar condenatoriamente a questão, não o façamos nós.

Um Feliz Natal Reformado a todos!


[1] Charles Dickens, Um Conto de Natal (S. Paulo: Rideel, 2003), 32 pp.
[2] Dr. Seuss, Como Grinch Roubou o Natal (S. Paulo: Companhia das Letrinhas, 2000), 64 pp.
[3] Mt 2.1-18. Herodes, conhecido como “o Grande” e “Rei dos Judeus”, nasceu em 73 a.C. Filho de Antipater II – era da região chamada induméia e foi indicado pelo imperador romano Júlio César como “governador da Judéia”.
[4] Veja, por exemplo, Brian Schwertley e seu artigo “The Regulative Principle of Worship and Christmas”, postado, entre outros sites, em: http://www.swrb.com/newslett/actualnls/CHRISTMAS.htm (acessado em 18.12.2003).
[5] Turretin admite as celebrações de dias especiais pelas igrejas, desde que estes não sejam impostos por elas como matéria de fé, ou considerados mais santos do que os demais. Referindo-se à censura de igrejas que haviam escolhido não celebrar o Natal e outras datas, sobre outras igrejas cristãos, ele escreve: “não podemos aprovar o julgamento rígido daqueles que acusam essas igrejas de idolatria” (Institutes of Elenctic Theology (Philipsburg, NJ: Presbyterian & Reformed, 1994), vol 2 p. 100.
[6] Possivelmente a festividade relatada em João 5 – relacionada com os incidentes narrados no livro de Ester.
[7] Ou “Chanukah” – festividade originada na época dos Macabeus, em celebração ao livramento físico do Povo Judeu. Jesus estava em Jerusalém na época da celebração (João 10.23-30).






Fonte:http://tempora-mores.blogspot.com/2006/12/calvino-contra-o-natal.html



Solano Portela

terça-feira, 20 de outubro de 2009

EXPRESSANDO NOSSA CONFESSIONALIDADE



IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL.
ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER.
CAPÍTULO 21 – DO CULTO E DO DIA DO SENHOR.
Prof. João Ricardo Ferreira de França.
Seção 6: "Agora, sob o evangelho, nem a oração, nem qualquer outra parte do culto religioso se restringe ou se faz mais aceitável a um certo lugar em que se ofereça ou para o qual se dirija; mas Deus deve ser adorado em todo lugar em espírito e em verdade; tanto em família, diariamente e em secreto, estando cada um sozinho; como também mais solenemente, em assembleias públicas, que não devem ser descuidadas nem voluntariamente negligenciadas ou esquecidas, quando Deus, por meio de sua Palavra ou por sua providência proporcione ocasião."
Ensinos claros desta seção:
1. Não existe um local sacro para a adoração Pública:
2. A adoração a Deus envolve a vida.
3. O culto solene deve ser observado.
Exposição: A nossa aula de hoje visa esclarecer alguns pontos cruciais a respeito do culto cristão, muitos não se percebem a questão da temporalidade e localidade da adoração; o tempo do culto deve ser sempre levado em consideração, por hora não entraremos nesta questão, mas dedicaremos atenção ao segundo aspecto da localidade da adoração. Existe muita falta de compreensão sobre isso, alguns dizem que há um lugar específico – falando de espaço físico – dedicado à adoração; outros, advogam que se a nossa vida é uma adoração, então, devemos fazer tudo o que der na cabeça no culto. Outros, negligenciam o culto solene com a desculpa que podem adorar a Deus em qualquer lugar. Vejamos o que esta seção nos ensina:
I – NÃO EXISTE UM LOCAL SACRO PARA A DORAÇÃO PÚBLICA NA DISPENSAÇÃO DO EVANGELHO.
A CFW nos ensina claramente que na nova administração pactual – chamada de evangelho ou Novo Testamento – nenhuma parte do culto religioso ( os elementos do culto ) não estão limitados ao espaço geográfico. Isto é um contra ponto estabelecido pelos autores da CFW em ralação ao Antigo Testamento ( onde o culto estava restringido ao Templo) que estabelecida a verdadeira adoração no Templo de Jerusalém. Cristo quebra tal concepção quando ensina que adoração não está limitada (João 4.21-24). Três proposições são fundamentais neste texto:
O culto não se limita a espaço físico.
Os verdadeiros adoradores são aqueles que o Pai chama.( em qualquer lugar)
Que o verdadeiro culto transcende porque é espiritual e fundamentado na verdade
II - A ADORAÇÃO A DEUS ENVOLVE A VIDA.
Outro aspecto bastante claro nesta seção e bastante negligenciado em nossos dias é a questão de que o culto envolve a vida; os que são contrários ao "principio regulador do culto" ( que ensina que o que deve ser realizado no culto deve ser ordenado pela palavra [confira o cap. 1 da CFW seção 6,8]. Dizem que tudo na vida é culto (o que nós não negamos) e assim, decidem trazer para o culto solene – a asssembleia pública – aquilo que não é ordenado pela Palavra (corais, coreografia, danças, palmas), isto porque em suas casas eles dançam, batem palmas em suas devocionais religiosas. E se posso adorar a Deus em qualquer lugar, dizem os que são contrários ao principio regulador, não há necessidade de ir ao culto solene!
Alguns aspectos precisam ser esclarecidos aqui. A CFW reconhece que a vida é para a glorificação a Deus, este principio já fora estabelecido na primeira pergunta do Catecismo Maior de Westminster – Qual o fim supremo e principal do homem? Glorificar a Deus e goza-lo plena e eternamente. – então, o ensino aqui deve ser avaliado à luz daquela pergunta. Assim podemos esboçar adequadamente esta questão:
2.1- Deus deve ser adorado em todo lugar: Este é o principio geral que governa as nossas vidas, este deve ser o alvo (propósito) de todo homem conforme aprendemos em Malaquias 1.11 e 1 Timóteo. 2.8 algumas verdades são aprendidas destes dois textos:
A soberania de Deus requer que ele seja objeto de adoração:
E que não importa o lugar onde o homem esteja ele deverá invocar a Deus por meio da oração.
2.2 – Deus deve ser adorado espiritualmente e segundo a sua palavra: Este é o segundo ensino que podemos observa, esta adoração da vida deve também ser espiritual conforme já vimos acima; é um erro pensar que a adoração é mais espiritual quando se está limitado a um local especifico para aquela finalidade, a adoração não está limitada a quatro paredes. Então onde e quando devemos adorar? Esta seção nos diz:
a) em família: O culto familiar tem sido negligenciado em nossos dias, e por isso, temos uma igreja fraca, capenga, se solidez na Palavra – nossos filhos são abandonados espiritualmente falando; nós não nos importamos com a alma deles, então, deixamos que a convivência na Igreja se encarregue de fazer o que é de nossa responsabilidade, o culto familiar consta:
1º de Ensino da Palavra aos nossos filhos – Dt.6.6-7 – note que não se limita ao ensino verbal, mas também ao ensino prático: "andando, na hora de dormir, nas praças"
2º de oração em favor dos filhos – Jó 1.5 – note que o papel do pai é deveras importante na educação do filho – "santificava-os" observe o que Paulo diz em 1 Coríntios 7.14 "os filhos são santos" ou "santificados na representatividade pactual dos pais", por isso, devemos reservar este precioso tempo em família. O casal deve orar juntos em família conforme temos e 1 Ped.3.7
b) diariamente: Todos os dias deve ser visto como um dia de culto a Deus – viver para a sua glória (Mt.6.11- a devoção diária em solicitar o sustento para as nossas vidas é um culto diário a Deus).
c) em secreto: A confissão reconhecer o culto secreto ou adoração particular sozinha. Este aspecto é demonstrado no ensino de Cristo em Mt.6.6; isto não é porque o diabo vai saber ou outra coisa, segundo o contexto da passagem é para que não haja vanglória; um culto deve produzir em nós humildade
III - O CULTO SOLENE DEVE SER OBSERVADO.
A CFW reconhece que a convocação solene deve ser observada. Ele chama-se solene porque nele encontra-se todos os elementos do culto – leitura da Palavra, pregação, oração, salmos de louvor a Deus, sacramentos, e ofertório. Este culto solene não pode ser negligenciado ou voluntariamente esquecido. Por quê?
1. O culto solene envolve uma relação pactual: Este é um ensino claro das Escrituras e o selo pactual do culto é o shabbath – dia do Senhor – o descanso onde o povo da aliança ser reuni diante de Deus (Is.56.6,7)
2. A Negligência ao culto solene revela rebeldia: O ensino claro da Bíblia diz que devemos estar sempre no congregando; isto faz bem à nossa alma e a nossa fé (Hb.10.25).

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Palmas no Culto e o Princípio Regulador



A questão sobre a liceidade do uso de palmas no culto público deve ser decidida à luz das Escrituras, à luz do que ela diz sobre a adoração a Deus. É certo que volumes espessos poderiam ser escritos sobre o assunto, por isso procurarei delinear o ensino bíblico sobre o princípio fundamental do culto público (adoração comunitária).

No livro de Êxodo encontramos a ordenação de Deus para a construção do Tabernáculo, onde seguramente se encontra o esteio sobre o qual a adoração a Deus deve ser ofertada: “Segundo tudo o que eu te mostrar para modelo do tabernáculo e para modelo de todos os seus móveis, assim mesmo o fareis” (Êxodo 25:9 RA). Então, após o levantamento do Tabernáculo, é-nos dito que “...tudo fez Moisés segundo o SENHOR lhe havia ordenado; assim o fez” (Êxodo 40:16 RA).

Em Números, há também ordenanças sobre a consagração dos levitas e o serviço levítico na tenda da consagração (Tabernáculo), obviamente se referindo à adoração pública a Deus. Mais uma vez a tônica é: “E assim fez Moisés, e Arão, e toda a congregação dos filhos de Israel com os levitas; segundo tudo o que o SENHOR ordenara a Moisés acerca dos levitas, assim lhes fizeram os filhos de Israel” (Números 8:20 RA).

Embora as passagens bíblicas pudessem ser multiplicadas, apenas as que já transcrevi nos ensinam que o culto de Deus é absolutamente definido pela Sua vontade revelada, a Sua Palavra: “...tudo [...] segundo o SENHOR [...] havia ordenado...”, isto é, todo elemento do culto, tudo que deve constar nele, é absolutamente definido pela Palavra de Deus. Esse princípio bíblico da adoração pública que determina que os elementos do culto devem ser segundo o que o SENHOR ordenou é o que os reformados apodaram de “Princípio Regulador do Culto”. Tal princípio é, talvez, a marca mais distintiva dos reformados em relação a outras correntes do protestantismo e dos evangélicos.

Agora, pois, vejamos alguns exemplos bíblicos da aplicação desse princípio na vida de certas pessoas dos tempos bíblicos. A Escritura nos relata a história de dois filhos de Arão, portanto, de linhagem sacerdotal, chamados Nadabe e Abiú: “Nadabe e Abiú, filhos de Arão, tomaram cada um o seu incensário, e puseram neles fogo, e sobre este, incenso, e trouxeram fogo estranho perante a face do SENHOR, o que lhes não ordenara” (Levítico 10:1 RA). Esse texto nos ensina que esses dois homens apareceram diante do SENHOR trazendo fogo estranho, e tal fogo era estranho porque o SENHOR “...lhes não ordenara”. Nadabe e Abiú, pois, violaram o “Princípio Regulador”, adicionando ao culto algo que Deus não havia ordenado. Deve-se perceber que não havia uma proibição para o que Nadabe e Abiu trouxeram “...perante a face do SENHOR...”, mas o problema residiu no fato de eles “adorarem” a Deus introduzindo um elemento que não havia sido expressamente ordenado.

O que aconteceu com os dois? Que a própria Palavra de Deus dê a resposta: “Então, saiu fogo de diante do SENHOR e os consumiu; e morreram perante o SENHOR” (Levítico 10:2 RA). O mesmo é dito em outro lugar nas Escrituras: “Mas Nadabe e Abiú morreram perante o SENHOR, quando ofereciam fogo estranho perante o SENHOR, no deserto do Sinai...” (Números 3:4 RA).

Outro exemplo clássico de aplicação do “Princípio Regulador” é o caso de Uzá. Para sua melhor compreensão é necessária a análise do contexto bíblico mais imediato, transcrito abaixo:

“Tornou Davi a ajuntar todos os escolhidos de Israel, em número de trinta mil. Dispôs-se e, com todo o povo que tinha consigo, partiu para Baalá de Judá, para levarem de lá para cima a arca de Deus, sobre a qual se invoca o Nome, o nome do SENHOR dos Exércitos, que se assenta acima dos querubins. Puseram a arca de Deus num carro novo e a levaram da casa de Abinadabe, que estava no outeiro; e Uzá e Aiô, filhos de Abinadabe, guiavam o carro novo. Levaram-no com a arca de Deus, da casa de Abinadabe, que estava no outeiro; e Aiô ia adiante da arca. Davi e toda a casa de Israel alegravam-se perante o SENHOR, com toda sorte de instrumentos de pau de faia, com harpas, com saltérios, com tamboris, com pandeiros e com címbalos. Quando chegaram à eira de Nacom, estendeu Uzá a mão à arca de Deus e a segurou, porque os bois tropeçaram. Então, a ira do SENHOR se acendeu contra Uzá, e Deus o feriu ali por esta irreverência; e morreu ali junto à arca de Deus” (2 Samuel 6:1-7 RA).

Essa perícope das Escrituras nos mostra uma série de violações do “Princípio Regulador”. A arca foi colocada “num carro novo”, enquanto Deus havia prescrito que: “Farás também varais de madeira de acácia e os cobrirás de ouro; meterás os varais nas argolas aos lados da arca, para se levar por meio deles a arca” (Êxodo 25:13-14 RA). Não obstante a clara ordenação divina, Davi, querendo inovar e copiar o modo como os filisteus transportaram a arca, desconsiderou o mandamento divino, e procurou “adorar a Deus” ao seu gosto, segundo a melhor intenção do seu coração. Afinal, Deus não merece o melhor? Para que carregar a arca nos ombros, pensou Davi, com simples varas de acácia, se a tecnologia foi Deus quem nos deu através da Sua “graça comum”?

No caminho os bois tropeçaram e, para que a arca não caísse, Uzá, na melhor das intenções, estendeu a sua mão para segurá-la. Todavia, a Palavra de Deus já prescrevia claramente: “...nas coisas santas, não tocarão, para que não morram...” (Números 4:15 RA). Como Deus reagiu à boa intenção de Uzá? Pensou, tal homem teve zelo e bom desígnio em relação à arca que simboliza a minha presença, apesar de quebrar meu mandamento, então receberei a boa intenção do seu coração? Não, a Palavra nos diz que “...Deus o feriu ali por esta irreverência...”.

Então, da aplicação do “Princípio Regulador” nos casos de Nadabe/Abiú e Uzá, temos que os primeiros foram mortos por Deus porque introduziram no culto aquilo que Deus não ordenou, e o segundo também foi morto porque violou aquilo que Deus explicitamente havia proibido. Deus, de forma clara, explícita, indubitável, estabeleceu que no Seu culto só deve constar aquilo que ele ordenou. Introduzir outros elementos não prescritos é violação desse princípio, assim como não fazer conforme aquilo que foi determinado, resultando, em ambos os casos, conseqüências gravíssimas.

Não obstante, o alvo principal do desagrado divino sobre a conduta de Uzá foi o rei Davi, o qual, diz a Escritura, “Desgostou-se [...] porque o SENHOR irrompera contra Uzá; e chamou aquele lugar Perez-Uzá, até ao dia de hoje” (2 Samuel 6:8 RA). Por que o escritor bíblico foi tão cuidadoso em relatar esse desgosto de Davi? Porque Davi seria o grande responsável pela confecção da instrumentação a ser utilizada no Templo. Davi seria o grande homem que influenciaria o culto no Templo a ser construído, assim como Moisés o fora com o culto no Tabernáculo. Senão vejamos:

Está escrito que a arca foi levada, segunda vez, agora da forma ordenada por Deus: “Chamou Davi os sacerdotes Zadoque e Abiatar e os levitas Uriel, Asaías, Joel, Semaías, Eliel e Aminadabe e lhes disse: Vós sois os cabeças das famílias dos levitas; santificai-vos, vós e vossos irmãos, para que façais subir a arca do SENHOR, Deus de Israel, ao lugar que lhe preparei. Pois, visto que não a levastes na primeira vez, o SENHOR, nosso Deus, irrompeu contra nós, porque, então, não o buscamos, segundo nos fora ordenado. Santificaram-se, pois, os sacerdotes e levitas, para fazerem subir a arca do SENHOR, Deus de Israel. Os filhos dos levitas trouxeram a arca de Deus aos ombros pelas varas que nela estavam, como Moisés tinha ordenado, segundo a palavra do SENHOR” (1 Crônicas 15:11-15 RA).

Davi aprendera, da forma mais dramática possível, a necessidade de ser absolutamente fiel ao “Princípio Regulador”, pois ele seria o encarregado por Deus de introduzir outros elementos no culto, a instrumentação musical que seria usada no Templo, conforme nos é dito no contexto em que o rei Ezequias restaurou o culto após o reinado do ímpio Acaz: “Também estabeleceu os levitas na Casa do SENHOR com címbalos, alaúdes e harpas, segundo mandado de Davi e de Gade, o vidente do rei, e do profeta Natã; porque este mandado veio do SENHOR, por intermédio de seus profetas” (2 Crônicas 29:25 RA).

A Escritura é bem clara que até mesmo os instrumentos musicais que seriam utilizados no Templo foram rigorosamente determinados por Deus a Davi através dos seus profetas Gade e Natã. Certamente, Deus utilizou o incidente com Uzá para preparar Davi para a grande obra litúrgica que ele faria para a implementação da música no Templo. Deus demonstrou a Davi a absoluta e imperiosa necessidade de conformidade ao “Princípio Regulador”. Não ficou ao alvedrio do músico Davi determinar, por seu “bom senso” artístico, qual seriam os instrumentos a serem usados no Templo no culto de Deus.

De todo o exposto acima resta demonstrado que tudo o que foi introduzido no culto público sempre o foi por expressa determinação de Deus, cada elemento cúltico, por mais insignificante que parecesse. Deus nunca aceitou qualquer coisa em Seu culto que tivesse iniciativa humana.

Estabelecido o “Princípio Regulador” a partir das Escrituras, mostrarei que tal princípio é o que os reformados (continente europeu) e presbiterianos (ilhas britânicas) sempre defenderam, não tendo direito algum aqueles que violam esse fundamento da fé, da teologia e da liturgia reformadas de pensarem que fazem parte do grande povo descendente da Reforma Protestante, mesmo que eles acreditem em algumas coisas comuns ao que os calvinistas acreditam. Reformados são aqueles, e somente aqueles, que primam por manter a santidade, a reverência e a ordem do culto bíblico, segundo o padrão explicitamente estabelecido por Yahweh em Sua Palavra, e reconhecido nas confissões e catecismos compostos pela influência e determinação da teologia da Reforma.

Começarei pela Confissão de Fé da Igreja Presbiteriana do Brasil, a de Westminster, a mais bem elaborada confissão presbiteriana-puritana-reformada. Nela está estabelecida o “Princípio Regulador” da seguinte forma: “...o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás...” (CFW, cap. XXI, I).

Essa mesma Confissão estabelece, com base no ensino das Escrituras, quais são os elementos constituintes do culto público: A leitura das Escrituras com o temor divino, a sã pregação da palavra e a consciente atenção a ela em obediência a Deus, com inteligência, fé e reverência; o cantar salmos com graças no coração, bem como a devida administração e digna recepção dos sacramentos instituídos por Cristo - são partes do ordinário culto de Deus, além dos juramentos religiosos; votos, jejuns solenes e ações de graças em ocasiões especiais, tudo o que, em seus vários tempos e ocasiões próprias, deve ser usado de um modo santo e religioso” (CFW, cap. XXI, V). Além desses, a CFW diz que “A oração com ações de graças, sendo uma parte especial do culto religioso, é por Deus exigida de todos os homens...” (CFW, cap. XXI, III). Onde estão as palmas nesse rol? Será se todos os puritanos tinham as mãos amputadas?

Podemos encontrar referência ao “Princípio Regulador” em um importante documento confessional da Reforma, mais antigo que a CFW, a Confissão Francesa de 1559, que diz em seu prefácio:

“Nós devemos tal respeito e reverência à Palavra de Deus quanto devemos nos prevenir para não lhe acrescentar nada de nós mesmos, mas devemos nos tornar inteiramente conformes às regras que ela prescreve. E visto que a Igreja Romana, abandonando os usos e costumes da igreja primitiva, introduziu novos mandamentos e uma nova forma de culto a Deus, nossa consideração a respeito dessas coisas é que é razoável preferir os mandamentos de Deus, que são em si mesmos verdade, aos mandamentos de homens, que por sua natureza são inclinados ao engano e vaidade”

Ensino idêntico encontramos em uma confissão traçada por João Calvino para as igrejas reformadas da França, no ano de 1562, que reza o seguinte:

“De nossa parte, de acordo com Sua declaração, de que obedecer é melhor que sacrificar (1 Sm 15:22), e com Sua injunção uniforme para ouvirmos o que Ele ordena, para rendermos um sacrifício bem regulamentado e aceitável, acreditamos que não devemos inventar o que nos pareça bom, ou seguir o que pode ter sido criado na mente de outros homens, mas nos limitarmos simplesmente à pureza das Escrituras. Por conseguinte, nós cremos que qualquer coisa que não seja proveniente dela, mas seja ordenada somente pela autoridade de homens, não deve ser considerada como culto a Deus”.

Para não ser muito extenso, citarei mais uma referência de um documento reformado histórico sobre o “Princípio Regulador”, a “Ordem de Genebra”, um diretório para o culto da igreja dos refugiados ingleses em Genebra, no tempo de João Calvino, que em seu prefácio também deixa claro o que os reformados sempre creram sobre o culto público:
“Nós, portanto, não como os maiores clérigos de todos, mas como os menos capazes de muitos, apresentamos a vocês que desejam o crescimento da glória de Deus, e a simplicidade pura de Sua Palavra, uma forma e ordem de uma igreja reformada, limitada ao compasso da Palavra de Deus, que nosso Salvador nos deixou como única suficiente para governar todas as nossas ações; de modo que qualquer coisa que lhe seja acrescentada por artifício de homens, por melhor, por santo ou bonito que isto pareça, todavia diante de nosso Deus, que é zeloso e que tem ciúmes e não pode admitir nenhuma sociedade ou conselheiro, isto é mau, iníquo e abominável”.

Portanto, o entendimento dos reformados sempre foi o de que somente o que foi expressamente ordenado por Deus para fazer parte do seu culto público é que Lhe agrada, sendo o resto, aquilo que Ele não ordenou como elemento cúltico, abominável, tanto a prática em si quanto aquele que a pratica.

Onde ficam as palmas, então? Ora, se o "Princípio Regulador", retirado das Escrituras, ensina que somente o que Deus ordenou para fazer parte do culto público deve constar dele, então nos últimos quinhentos anos os cristãos reformados foram os mais desgraçados e desobedientes homens dentre todos os outros, porque não obedeceram ao mandamento divino de bater palmas no culto, se tal mandamento se encontra nas Escrituras. Aliás, os crentes dos últimos dois mil anos deveriam ser considerados culpados desse gravíssimo pecado, de não baterem palmas no culto público de Deus, pois não há nenhum registro histórico ou arqueológico que mostre que os cristãos primitivos e aqueles que os seguiram no tempo praticavam o bater palmas na adoração comunitária.

Se palmas fossem um elemento lícito no culto, teríamos que olhar com tristeza para os últimos dois milênios do povo de Deus na terra, pois seríamos forçados a reconhecer que os crentes desse período foram Abinadabes, Abiús e Uzás da vida, violadores da lei de Deus, e merecedores da Sua mais severa manifestação de desagrado. Contudo, se a igreja de Cristo por dois mil anos sempre teve por repugnante bater palmas no culto, o fez pela convicção plena de que tal é abominação ao SENHOR, e porque não há em nenhum lugar em toda a Escritura um único mandamento ordenando bater palmas nas reuniões em que o povo de Deus se agrupa para adorá-lo.

A irracionalidade dos que defendem as palmas no culto reside no fato de que, como vimos, o culto deveria ser exatamente como Deus prescreveu, havendo sido vedado alguém acrescentar o que não foi ordenado (Nadabe e Abiú) ou fazer o que foi proibido (Uzá) ou suprimir o que foi prescrito. Diante disso, se todo aquele que não prestava culto exatamente como Deus ordenou era fulminado, por que os crentes do AT não batiam palmas no Templo? Por que não há uma única menção deles batendo palmas nas reuniões públicas de adoração a Deus? Não teriam todos sido exterminados por causa disso? O próprio Jesus Cristo, que não bateu palmas nenhuma vez, não teria sido desqualificado como Redentor, haja vista que teria cometido o pecado gravíssimo de haver violado o “Princípio Regulador”? Tal pensamento é blasfemo, e essa é a inferência lógica do ensino dos batedores de palmas. Se algumas passagens de Salmos que os batedores de palmas distorcem para fundamentar seu ponto de vista são mandamentos para o acompanhamento musical ao ritmo das palmas, então o povo de Deus do tempo dessa revelação, e também posterior a ela, foi absolutamente infiel, e Deus ficou todo esse tempo sem adoradores obedientes, até que chegassem os sábios, santos e zelosos cristãos do final do século XX e início do século XXI.

Na verdade, os batedores de palmas estão apenas satisfazendo as suas próprias concupiscências, e não adorando a Deus como prescrito pelo SENHOR, pois o próprio Jesus nos disse: “...em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mateus 15:9 RA).

Isto posto, resta-me dizer que, de um certo ponto de vista, não são os verdadeiros reformados e verdadeiros presbiterianos quem têm o ônus de provar biblicamente que bater palmas é uma violação abominável do culto público prescrito pelas Escrituras, pois tal é uma novidade na longa história do povo de Deus. Os batedores de palmas é que têm que provar exegeticamente que bater palmas é um elemento integrante do culto de Deus, haja vista que eles estão introduzindo um elemento que nunca, repito, nunca, jamais, nos dois mil de igreja cristã, fez parte das reuniões comunitárias do povo santo do SENHOR. Isto eles não farão, pois não há nenhum mandamento nas Escrituras para que os cânticos sejam ritmados pelas palmas, nem no AT nem no NT. Porém, por causa do compromisso com a verdade, e com a glória de Deus, os reformados têm se esmerado em repudiar essa prática litúrgica espúria.

Que Deus dê a graça a seus eleitos de não serem enganados por vãs sutilezas contidas no ensino de homens de mentes corrompidas pelo pecado da ignorância.

Estudo do Pb Célio Lima.
Devidamente autorizado.