Antes da Reforma ocorrer a doutrina da Eucaristia era diferente da que nós temos hoje. A primeira realidade é que na “igreja primitiva, a celebração da Ceia do Senhor era o ponto central da adoração cristã”.( GEORGE, Timothy, 1993,p.145). Curiosamente o sacramento da Santa Ceia foi corrompido pala concepção da Transubstanciação ( a substância se transforma ). Tal doutrina passou a ser doutrina oficial na Igreja de Roma no quarto Concílio de Laterano em 1215 (BERKHOF, Louis., 1989, p.226.). Mas, essa idéia é bem anterior conforme podemos ver, pois,“ em 818 d.C um teólogo medieval chamado Pascácio Radbert formalmente propôs a doutrina de que os elementos, pelo poder divino, literalmente se transformam no mesmo corpo que nasceu de Maria” (BERKHOF, Louis, 1989, p.226.).
. No período da Idade das Trevas – ou Idade Média – a Santa Ceia passou a ser vista como algo miraculoso que protegia o viajante da doença, preservava os marinhos da fúria do mar, dava ainda a provisão na lavoura; chegava-se ao absurdo de dizer que a Ceia dava uma boa esposa ao solteiro (TAPPERT, Theodore G., 1961, p.41).
OS REFORMADORES E A EUCARISTIA.
Diante disso, a Reforma se colocou contra estas concepções sobre o sacramento da Santa Ceia. Lutero tinha uma visão muito individual quanto a este sacramento ele “criticou a negação do cálice aos leigos”( SIERPIESKI, Paulo.,sem data, p.8.) Ele expressou dúvidas e criticou a doutrina da Transubstanciação. Lutero rejeitou a concepção de que os sacramentos fossem obras meritórias, e ensinou que eles eram dons da graça de Deus à sua Igreja e devem ser recebidos com fé. (LUTERO, Martinho.2006, p.50.).
O problema se manifestou quando Zwínglio tomou ciência de que Lutero estava ensinando que o corpo de Cristo estava literalmente presente na eucaristia, enquanto o reformador Zwínglio ensinava que o pão e o vinho, da Santa Comunhão, eram apenas memoriais da morte de Cristo, e assim, o estopim estava ativado. Lutero escreve uma carta a um amigo dizendo que a interpretação do reformador Zwínglio estava equivocada (STROHL, Henri., 1989, p.144); o reformador alemão tinha a seu favor um tese de um padre que defendia a consubstanciação que nunca foi negada oficialmente pela Igreja Romana(STROHL, Henri., Ibid, p.225), isso ainda alimentou a concepção de que Lutero estivesse certo.
Houve uma guerra de escritos sendo trocados entre ambos, pois, discordavam energicamente quanto a este assunto; os livros de ambos chegaram a ser vendidos lado a lado pelos jornaleiros da época. Lutero não estava disposto a dizer que a Eucaristia era um mero “símbolo das realidades espirituais” (GONZALEZ, Justo L., 1983, p.71). A grande arma de Lutero era as palavras da Instituição de Cristo “isto é o meu corpo” , não “indica a transubstanciação, mas aponta para o fato de que Cristo está literalmente sobre o pão, ao lado do vinho e sob ambos elementos” (Idem)
UMA SOLUÇÃO PROPOSTA: UMA DIVISÃO PERMANENTE.
Diante de tamanha guerra decidiu-se fazer um debate entre os grupos – luteranos e zwínglianos – para se resolver o dilema. Filipe de Hesse propôs que o debate fosse realizado em seu Castelo em Marburgo no ano de 1529. Lutero estava acompanhado de seu ilustre amigo Melanchton e com outros colegas. E Zwínglio estava acompanhado de Ecolampádio, Bucer que era os líderes principais dos Zwínglianos. O fato curioso neste debate é que dos quinze pontos discutidos entre Lutero e Zwínglio quartoze deles ambos estavam de acordo, mas na questão da Eucaristia ambos discordavam.
O reformador Zwínglio chegou a clamar com lágrimas que desejava concordar com os luteranos (GEORGE, Timothy., Op.Cit, p.150) Travou-se uma guerra exegética. Zwínglio diz que Lutero defende uma doutrina que não pode ser comprovada pelas Escrituras, e não tem a menor coragem de citar uma única passagem. Lutero estava com uma lousa coberta com um pano, e após, a declaração de seu opositor, removeu o pano, e no quadro estava escrito “Este é o meu corpo!”, então, Lutero dirigiu-se a Zwínglio dizendo: “Aqui está a nossa passagem das Escrituras. Você ainda não a tirou de nós.”(Idem) Lutero rejeitou as figuras de linguagem usadas por Zwínglio para mostrar que ali estava empregada uma linguagem não-literal.( KLEIN, Carlos Jeremias.,2006, p.77-82) Mas isso foi em vão. Ambos os grupos ficaram divididos definitivamente.
O EXEGETA DA REFORMA: UMA VISÃO CONCILIADORA.
Na discussão entre Lutero e Zwínglio havia um homem que pensou profundamente sobre essa questão da Eucaristia. Ele nos ofereceu um esclarecimento bíblico e teológico sobre a Ceia do Senhor e a presença de Cristo na mesma. O nome deste reformador é João Calvino considerado o maior exegeta da Reforma Protestante. Para Calvino a Eucaristia era mais que uma simples “cerimônia de comemoração do Sacrifício de Cristo: era um evento de comunhão com o próprio Cristo”( CALVINO, João.,1999,Livro 4, Cap.14, parag.1,9.). Embora ele aceitasse algumas afirmações de Zwínglio, afirmava que Cristo estava presente no Sacramento da Ceia mediante a ação do Espírito Santo, e assim, de fato, o Sacramento poderia ser chamado de Meio de Graça onde os eleitos recebem o que a eles é destinado no sacramento, enquanto que os falsos crentes recebem juízo de Deus; logo, a concepção calvinista sobre a Ceia é que Cristo está real, porém, espiritualmente nos elementos.
Esta concepção de Calvino é a posição das Igrejas Presbiterianas e Reformadas conforme expressa seus símbolos de Fé.( Confissão de Fé de Westminster: Cp.27, Seç. 3; Cp.29, Seç. 1,5,7; veja-se também o Catecismo Maior de Westminster nas perguntas: 162, 168,170) O que aprendemos deste assunto? Aprendemos que Reforma foi movimento onde havia de fato uma reflexão teológica. Aprendemos que os reformadores tiveram que lidar com questões que mereciam ser esclarecidas; mas também aprendemos que aquilo que deveria unir a fé tornou-se uma divisão entre eles. De sorte que mundo está dividido assim: os romanos com a transubstanciação; os luteranos com a consubstanciação; os zwínglianos com a concepção memorial e os calvinistas com a noção da presença real de Cristo nos sacramentos de forma espiritual. Isso deveria nos entristecer? Não. Isto deveria nos estimular a orarmos para que a Igreja de Cristo mostre sua unidade nestas questões singulares.
Referencias Bibliográficas.
BERKHOF, Louis. A História das Doutrinas Cristã, São Paulo: PES, 1989.
CALVINO, João. Intitución de la religión Cristiana, Barcelona: Felire, 1999.
GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores, Trad.Gérson Dudus & Valéria Fontana, São Paulo: Vida Nova,1993).
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Reformadores, São Paulo: Vida Nova, 1983.
LUTERO, Martinho. Do Cativeiro Babilônico da Igreja, Trad. Martin N. Dreher, São Paulo: Martin Claret,.2006.
KLEIN, Carlos Jeremias. Os Sacramentos na Tradição Reformada, São Paulo: Fonte Editorial, 2005.
SIERPIESKI, Paulo. História do Cristianismo I, Da Reforma, Recife: Seminário Batista do Norte – Obra não Publicada, s/d.
STROHL, Henri. O Pensamento da Reforma, São Paulo: Aste, 1989.
TAPPERT, Theodore G. The Lord’s Supper: Past and Present Pratices Filadélfia: Muhlenberg Press, 1961.
3 comentários:
É um bom estudo para entendermos de forma resumida a questão dos sacramentos e termos uma ideia do desenvolvimento teológico de tal assunto divergente no meio cristão.Toda biografia de assuntos Bíblicos podem nos ajudar a formular opiniões, mas nada ou qualquer teologia pode suplantar, aquilo que esta, não como uma verdade relativa, mas, como uma verdade absoluta. Enfim é um bom estudo, parabéns!
Sou católico romano, creiona na transubstanciação, e agradeço pelos esclarecimentos da matéria
Gente, quanta perda de tempo! Um monte de homens discutindo, fazendo congressos, criando nomes etc durante séculos tentando explicar praticamente cientificamente o que é inexplicável cientificamente: a ação de Deus...
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