Por Pr. Paulo Brasil
INTRODUÇÃO
Gostaria de iniciar falando de dois aspectos visualizados neste tema.
1) Anacronismo — Este tema é muito importante tendo em vista as circunstâncias que envolvem a Igreja hoje. Mas pensar neste tema — Igreja no Velho Testamento — para muitos seria pensar em um anacronismo. Ou seja, usar um termo fora da sua época. Muitos dizem que Igreja é algo apenas do Novo Testamento. Sendo assim, como poderíamos falar de Igreja no Velho Testamento? Bem, no meio reformado isso não seria um problema, mas no meio não reformado esse é um problema muito sério tendo em vista o entendimento errado que muitos têm ao fazer uma separação entre Igreja e a nação de Israel. Estes têm dificuldade de encontrar o conceito de Igreja no Velho Testamento. Essa separação que se faz entre Israel e Igreja é algo extremamente prejudicial para a visão e unidade da Escritura Sagrada como um todo.
No entanto, este tema é pertinente e não anacrônico. Ao contrário, ele é uma expressão fundamental da teologia reformada e a expressão de sua verdade. Por ser teologia pactual, ela não faz distinção entre Velho e Novo Testamento no que diz respeito aos conceitos essenciais, aos símbolos e às cerimônias (abolidas em Cristo e por isso não praticadas hoje). Os conceitos essenciais da Igreja são vistos no Antigo Testamento e esperamos nos referir a eles.
2) Este tema é pertinente. Não é um anacronismo, mas algo que enfrentamos hoje. Como nós lidamos com o Antigo Testamento na Igreja? Temos encontrado um grande problema com a pregação veterotestamentária em nossas igrejas. A pregação no Velho Testamento, além de ser escassa por convicções equivocadas, ela é moralista na sua essência; não é redentiva, não é regeneradora, mas simplesmente uma exposição moral. Toma-se um texto do VT para se falar sobre a condenação de determinados pecados e como devemos viver com base em um padrão. Hoje não se vê na pregação no Velho Testamento a essência da natureza de Cristo e a obra de unidade que existe entre o Antigo e o Novo Testamento. Por isso, além de ser um tema dos nossos dias, e não estarmos usando nada fora do seu contexto, estamos usando um tema extremamente pertinente.
Certamente os irmãos que têm um entendimento de Israel distinto de Igreja, rejeitam rapidamente este assunto. Vamos ouvir o que a Palavra de Deus tem para dizer acerca deste assunto para que desfrutemos destas maravilhosas verdades redentivas reveladas de forma clara e essencial no Antigo Testamento.
O TEMA
Em que lugar na Escritura podemos afirmar que o povo do Antigo Testamento é chamado de Igreja? É interessante ver como os irmãos que têm dificuldade com este tema partem de uma hermenêutica literalista e por isso equivocada. Se não tem a palavra “igreja” com referência à Israel, então Israel não é igreja, dizem eles. Se não tem a palavra “Israel” para igreja, então igreja não é o Israel de Deus. Estes irmãos dizem que há necessidade de se ter uma expressão literal para a tese ser confirmada. Mas temos de ver a teologia como um todo. Vendo este princípio teológico pelo prisma da unidade da revelação, podemos abrir as Escrituras em um texto de Atos 7: 38 — “É este Moisés quem esteve na congregação no deserto, com o anjo que lhe falava no monte Sinai e com os nossos pais; o qual recebeu palavras vivas para no-las transmitir”. A palavra utilizada no texto — congregação — literalmente é a palavra grega usada para “Igreja” (eclesia). Lucas está dizendo aqui no texto o seguinte: “É este Moisés quem esteve na ‘igreja’ no deserto”. É exatamente o que Lucas está dizendo. O princípio é de que a igreja envolve o povo que se congregava no Antigo Testamento. Sabemos, à luz do Novo Testamento, que a igreja é formada pelos eleitos de Deus, os escolhidos do Senhor antes da fundação do mundo e esse povo eleito por Deus é regenerado, justificado, santificado e vive uma vida corporativa característica de um povo tirado de rumos distintos para um caminho comum. O Novo Testamento nos dá a visão muito clara de que os que pertencem à igreja do Senhor são aqueles que foram salvos regenerados, santificados, convertidos. Se isso, então, é a essência da igreja, que pessoas foram chamadas por Deus da escravidão do pecado para a liberdade em Cristo, da morte para a vida para fazer a vontade de Deus, temos que entender que no Antigo Testamento estas coisas também aconteciam. Será que apenas a expressão, apenas o entendimento veterotestamentário da vocação de algumas pessoas e da visão de nação como povo de Deus, seria suficiente para excluir a idéia de que esta nação não era a nação que, escolhida por Deus, fosse regenerada, convertida, justificada, santificada para andar nos caminhos de Deus? Será que é uma visão correta afirmar que pelo fato de se ter uma nação específica no VT (Israel) temos uma igreja distinta no Novo Testamento onde povos de todas as raças estão envolvidos no número dos eleitos? Caminhemos para o seguinte entendimento:
1) Temos de encontrar no Velho Testamento e na revelação geral das Escrituras a verdade estabelecida de que o povo do VT cria nas mesmas coisas que nós cremos hoje, no mesmo Deus e nas mesmas verdades que cremos.
2) Temos de encontrar no Velho Testamento, em toda revelação do VT que este povo, além de tudo, não só cria como nós, mas era um povo que esperava nas mesmas promessas que nós esperamos.
Se não unirmos isso, se não aceitarmos e compreendermos isso, teremos dificuldades de crer que Israel é a Igreja e que a Igreja é Israel. À luz deste princípio partimos desta direção entendendo a fé e a esperança como algo comum ao Velho Testamento e ao Novo Testamento.
Antes de continuarmos, devemos dar uma explicação. Vamos citar alguns textos do Novo Testamento e muitos poderão pensar: O irmão vai falar de Igreja no Velho Testamento e, para isso, cita textos do Novo Testamento? Mas o melhor interprete da Bíblia é ela mesma. Quem melhor interpreta o Antigo Testamento é a própria Bíblia. Se nos dirigimos ao NT para entender a interpretação do VT é porque partimos do princípio de que a verdadeira interpretação do Antigo Testamento está no Novo Testamento.
Hebreus 11:1-3 e 8
“Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem. Pois, pela fé, os antigos obtiveram bom testemunho. Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem” (vss. 1-3).
Temos aqui um conceito neotestamentário de fé. No v. 1 temos um paralelismo sinonímico. Paralelismo é uma característica da língua hebraica. Lembramos, porém, que os autores do Novo Testamento eram judeus na sua maioria e sua estrutura de escrita era obviamente judaica. Mesmo escrevendo em grego, o pensamento era judaico tanto quanto sua estrutura de escrita. Por isso temos este paralelismo que é uma forma de dizer a mesma verdade de forma diferente. O que é fé? “Fé é a certeza de coisas que se esperam”. O que mais é fé? “A convicção de fatos que se não vêem”. O que é sinônimo aqui? Aqui “certeza” é sinônimo de “convicção”; “coisas que se esperam” é sinônimo de “fatos que se não vêem”. A fé está firmada não em dúvidas, mas em certezas, porém não naquilo que se vê. Impressionante! Até porque a própria raiz da palavra “FÉ”, na língua hebraica, se origina de uma palavra que na sua base, na sua múltipla utilização como palavra de uma língua, traz a idéia de verdade, firmeza, como uma árvore que bem plantada não se abala. Em hebraico a palavra “āman” de onde provem a palavra “ĕmûnâ” que é “fé” ou “fidelidade” e que vem da mesma raiz, tem um sentido de algo que está fincado e que não se abala.
A palavra “fé” usada no Velho Testamento é usada agora no Novo Testamento como aquilo que não se abala e a convicção de coisas que não podemos ver. Aqui está o grande paradoxo. Percebemos que estamos diante de uma grande verdade! O autor da carta aos Hebreus nos dá o conceito de fé. Mas de modo interessante o autor recorre à criação para estabelecer o parâmetro do que podemos entender como fé e recorre a personagens do Velho Testamento. Começa falando de Abel e discorre para poder dizer que a fé é a exata convicção daquilo que não podemos ver. Ele diz que “pela fé Abel ofereceu mais excelente sacrifício...”. Estabelece-se, então, um princípio de que Abel já esperava algo que ele não via, mas sabia da sua existência. Nos parece ser este o princípio pelo fato de que nos vss. 8-10 deste capítulo Abraão vai ser assim também denominado. Está escrito: “Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia. Pela fé, peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador” (Hb 11:8-10). Foi dada a Abraão a promessa de entrar numa terra chamada “prometida”, sendo que esta terra “prometida” não era, na visão de Abraão, o fim para o qual estavam determinadas todas as coisas. Por quê? Porque segundo o texto ele aguardava a cidade que Deus havia edificado. Mas alguém poderia afirmar que no texto não há nada dizendo que a palavra “cidade” se refere a uma cidade celestial e que bem poderia estar se referindo a Jerusalém, a cidade santa. Se alguém não se convence com estes versículos devemos olhar mais à frente.
“Pela fé, também, a própria Sara recebeu poder para ser mãe, não obstante o avançado de sua idade, pois teve por fiel aquele que lhe havia feito a promessa. Por isso, também de um, aliás já amortecido, saiu uma posteridade tão numerosa como as estrelas do céu e inumerável como a areia que está na praia do mar. Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra“ (vss.11-13).
Vejamos que “estes morreram na fé”, ou seja, morreram crendo “sem ter obtido a promessa”.
“Vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade” (vss. 13b-16).
A palavra cidade usada no texto é trazida de volta. Cidade aqui é sinônimo de pátria celestial. Percebemos que quando estas personagens do Velho Testamento eram chamadas por Deus, as suas vocações não eram para algo estritamente terreno, mas para algo superior. A própria terra de Israel nunca foi um fim em si mesmo. Ela apenas tipificava a pátria celestial. Segundo as palavras do autor da carta aos Hebreus, quando ele trata no capítulo 4 acerca do dia do Senhor, do dia de descanso, diz claramente que a terra de Israel não era o descanso que Deus havia dado a eles; porque se fosse não falaria de “outro dia” — “Ora, se Josué lhes houvesse dado descanso, não falaria, posteriormente, a respeito de outro dia” (Hb 4:8). E no v. 9 lemos: “Portanto, resta um repouso para o povo de Deus”. Aquela cidade tipificava a entrada na pátria celestial. Abraão chamado por Deus já cria e aguardava, segundo o autor aos Hebreus, uma pátria superior à terra prometida, pois esta era apenas um tipo e não um fim em si mesmo. Devemos nos lembrar do conceito estabelecido pelo autor da carta aos Hebreus que “fé é a certeza de coisas que se esperam e a convicção de fatos que se não vêem”. Existe fé eesperança estabelecidas no Velho Testamento. Os chamados e vocacionado por Deus esperavam o mesmo que nós esperamos: a pátria celestial, a nova Jerusalém. A idéia atual de que, para a nação judaica a terra da Palestina foi posta como propósito final, é equivocada à luz de toda Escritura Sagrada. Porque para os filhos de Abraão, os que creram como Abraão creu, eles aguardam uma pátria celestial, a Nova Jerusalém, a cidade santa. No Velho Testamento a fé estava estabelecida, os crentes não viam, mas esperavam.
Abraão creu na ressurreição dos mortos. Os críticos modernos afirmam que a doutrina da ressurreição não está estabelecida no Velho Testamento. Nos parece que isso é um grande equívoco porque, quando Jesus foi interpelado pelos saduceus, no Evangelho de Mateus, o Senhor lhes deu uma resposta. O texto nos fala:
“Naquele dia, aproximaram-se dele alguns saduceus, que dizem não haver ressurreição, e lhe perguntaram: Mestre, Moisés disse: Se alguém morrer, não tendo filhos, seu irmão casará com a viúva e suscitará descendência ao falecido. Ora, havia entre nós sete irmãos. O primeiro, tendo casado, morreu e, não tendo descendência, deixou sua mulher a seu irmão; o mesmo sucedeu com o segundo, com o terceiro, até ao sétimo; depois de todos eles, morreu também a mulher. Portanto, na ressurreição, de qual dos sete será ela esposa? Porque todos a desposaram” (Mt 22:23-28).
Jesus respondeu claramente:
“Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus. Porque, na ressurreição, nem casam, nem se dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu. E, quanto à ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ele não é Deus de mortos, e sim de vivos” (Mt 22:29-32).
Jesus fala baseando no texto do Velho Testamento quando diz que Deus é Deus de vivos e não de mortos. Ele disse: “Eu sou o Deus de Abraão, de Isaque e Jacó”. Jesus responde à questão dos saduceus, que eram contrários à ressurreição, citando o Velho Testamento. Certamente que Abraão, Isaque e Jacó já estavam mortos na época de Cristo. Por que Jesus diz que Deus é Deus de vivos e não de mortos? Porque eles estão vivos. Jesus disse a Marta: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Mt 11:25). É a mesma fé estabelecida no Velho Testamento. A fé na ressurreição é estabelecida em Gênesis no capítulo 22. Deus prova a Abraão:
“Depois dessas coisas, pôs Deus Abraão à prova e lhe disse: Abraão! Este lhe respondeu: Eis-me aqui! Acrescentou Deus: Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá; oferece-o ali em holocausto, sobre um dos montes, que eu te mostrarei. Levantou-se, pois, Abraão de madrugada e, tendo preparado o seu jumento, tomou consigo dois dos seus servos e a Isaque, seu filho; rachou lenha para o holocausto e foi para o lugar que Deus lhe havia indicado. Ao terceiro dia, erguendo Abraão os olhos, viu o lugar de longe. Então, disse a seus servos: Esperai aqui, com o jumento; eu e o rapaz iremos até lá e, havendo adorado, voltaremos para junto de vós” (Gn 22:1-5).
Estas palavras não eram de alguém que desejava acalmar aos servos desesperados com a possibilidade da morte de Isaque, porque eles sabiam o que estava acontecendo. Porém Abraão diz aos servos “eu e o rapaz iremos até lá e, havendo adorado, voltaremos para junto de vós”. Temos de atentar para as palavras: “havendo adorado, voltaremos”. Vejamos o plural: Nós voltaremos! Ele não disse, eu voltarei. O que significa isso? Ele cria que se e o menino morresse Deus iria ressuscitá-lo. De onde tiramos isso? Voltando a Hebreus 11 e veremos claramente esta verdade.
Hebreus 11:17-19
“Pela fé, Abraão, quando posto à prova, ofereceu Isaque; estava mesmo para sacrificar o seu unigênito aquele que acolheu alegremente as promessas, a quem se tinha dito: Em Isaque será chamada a tua descendência; porque considerou que Deus era poderoso até para ressuscitá-lo dentre os mortos, de onde também, figuradamente, o recobrou”.
Abraão creu que Isaque iria ressuscitar. É a convicção daquilo que não vemos, é a certeza daquilo que nossos olhos não vêem, mas é a certeza! Nunca vimos ninguém ressuscitar, mas cremos na ressurreição dos mortos. O mesmo princípio se aplica a Abrão. Ele nunca tinha visto ninguém ressuscitar, mas cria na ressurreição. A Igreja no Velho Testamento cria e estava fundamentada nos mesmos pilares que se fundamenta a Igreja do Novo Testamento. Nós cremos e esperamos naquilo que não vemos!
Esse princípio da fé precisa ser melhor entendido. Como surgia a fé no Velho Testamento? Temos de mencionar agora uma doutrina perniciosa presente na igreja de hoje: O Dispensacionalismo. Através da tradição dispensacionalista teremos profunda dificuldade de olhar para o Velho Testamento e ver a conversão da mesma forma como a vemos no Novo Testamento. Para o dispensacionalismo o homem do Velho Testamento tinha uma estrutura diferente do homem no Novo Testamento. Se o homem do VT pudesse se arrepender sem a ação do Espírito Santo, então para que o Pentecostes? Não havia necessidade de Espírito Santo, pois o arrependimento seria algo humano. É óbvio que toda e qualquer ação de caráter regenerativo, salvífico, era operado pelo Espírito Santo de Deus para que eles acreditassem.
Voltando ao texto que fala de Abel em Hebreus 11:4, vemos que ele ofereceu sacrifício a Deus pela fé. Se entendermos que o sacrifício oferecido por Abel foi através de uma fé distinta, diferente, não sendo pelo que lhe fora revelado, então, semelhantemente teremos de entender que a fé de Abraão não foi depositada no que lhe foi revelado. Mas o texto diz que Abraão creu. A mesma fé que Abraão teve é a mesma que Abel teve. É a mesma estrutura. E todos os eleitos têm esta mesma fé que é a mesma fé do povo de Deus na história, no VT ou no NT. Fé implica numa revelação de Deus. Só podemos crer naquilo que nos é revelado pela Palavra de Deus.
Em Hebreus 4:1-3, lemos:
“Temamos, portanto, que, sendo-nos deixada a promessa de entrar no descanso de Deus, suceda parecer que algum de vós tenha falhado. Porque também a nós foram anunciadas as boas-novas, como se deu com eles; mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé naqueles que a ouviram.Nós, porém, que cremos, entramos no descanso...”.
No v. 2 destacamos: “Porque também a nós foram anunciadas as boas-novas”. “Também a nós”! Quem são “nós” aqui? São os crentes da antiga aliança, os crentes do Velho Testamento. Da mesma forma como aconteceu conosco, aconteceu com eles A eles foram anunciadas as BOAS NOVAS! O EVANGELHO! Que coisa maravilhosa! O Evangelho, as Boas Novas, foram anunciadas aos crentes da antiga aliança.
É necessário um comentário. Qual a distinção do Novo para o Velho Testamento? Não há distinção essencial, mas há distinção da relação entre aquilo que é figura, entre aquilo que é símbolo e o que é simbolizado; entre o que é tipo e o que é tipificado. Os crentes do Velho Testamento eram salvos pela revelação de Deus, objetiva e subjetiva(iluminação). Vemos isso com o grande teólogo reformado Dr. Geerhardus Vos no seu livro Teologia Bíblica (Biblical Theology) que é um livro extraordinário. Dr. Vos coloca o princípio da revelação assim: A revelação é objetiva e subjetiva.
Revelação Objetiva e Subjetiva (Iluminação[i]).
Revelação objetiva são os atos históricos de Deus , manifestados na própria história .Isto é, cada ato revelacional implica em um ato histórico . Exemplo : Jesus veio a este mundo . Isso é um ato histórico . Esta é uma revelação objetiva . Revelação subjetiva(Iluminação) é a revelação histórico-objetiva que é trazida ao entendimento doindivíduo , a regeneração , conversão . O que permanece hoje é a iluminação , pois a revelação objetiva cessou, pois não existe mais revelação histórica . Ela se encerrou com o Cânon. O que temos hoje é a iluminação que é trazida ao homem por meio dapregação histórico-objetiva de Deus que continua sendo proclamada e salvando o povo na história . Como Deus fez no Antigo Testamento , fez também no Novo Testamento edurante toda a história . O Velho Testamento junto com seus atos históricos não apenas revelava Deus historicamente (objetivamente ), mas revelava Deus subjetivamente a um povo que Ele mesmo estava salvando. Paralela à idéia da revelação , está a idéia deconversão e salvação — Deus se revelava para redimir .
Pensando dessa forma, cada momento da história, como a Páscoa, a circuncisão, o tabernáculo, o templo, enfim, todos estes elementos históricos que foram realidades no VT, traziam consigo a vontade revelada de Deus, a revelação redentora de Deus salvando um povo que continuada e organicamente passava a conhecer a salvação. A Confissão de Fé de Westminster diz que aquela revelação era suficiente para salvar os eleitos de Deus no Velho Testamento. Dr. Geerhardus Vos se apodera deste ensino da Confissão para dizer que esta revelação era perfeita, não porque não precisasse de outra revelação para dar-lhe luz, mas porque aquela revelação estava ligada organicamente com aquele que era o centro de toda revelação de Deus, Jesus Cristo. Por isso, não temos medo de dizer, à luz de toda a Escritura Sagrada, que a fé que Abraão tinha, nós também a temos porque o mesmo Espírito opera em nós. A esperança que ele tinha nós a temos porque ouviu a mesma verdade — as boas novas do Evangelho.
Gálatas 3:6
“É o caso de Abraão, que creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça. Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti, serão abençoados todos os povos. De modo que os da fé são abençoados com o crente Abraão”.
Foi trazida a revelação de Deus — O Evangelho foi preanunciado. Isso é impressionante. Paulo enfrentava problemas na igreja da Galácia e estes problemas eram relacionados com a questão das obras que eram enfatizadas para a salvação. Então, Paulo se fundamenta em Abraão para dizer: “tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios”. Deus, para justificar pela fé, preanunciou o Evangelho, isto é anunciou o Evangelho a Abraão! Para que houvesse justificação pela fé foi necessária a revelação do Evangelho que começou a ser pregado de modo inequívoco desde o início da história da revelação. E os que criam eram salvos, pois criam nas mesmas verdades, esperavam nas mesmas promessas, tinham a mesma esperança. Eles criam na ressurreição como nós cremos, aguardavam uma pátria celestial como nós aguardamos.
A Igreja no Velho Testamento é fundamentada no conceito da unidade de toda a Escritura Sagrada. Conseqüentemente é importante saber que a obra da regeneração no Novo Testamento se deu, não com uma raça, não com um povo étnico, não com descendentes carnais, mas com os da fé. Então, a quem Deus revelou a verdade, a quem Deus deu o dom da fé, a quem deu a verdadeira esperança, e a mesma crença que é nossa? Paulo responde a esta pergunta em Romanos 11:1-5
Romanos 11:1-5
“Pergunto, pois: terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo? De modo nenhum! Porque eu também sou israelita da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim. Deus não rejeitou o seu povo, a quem de antemão conheceu. Ou não sabeis o que a Escritura refere a respeito de Elias, como insta perante Deus contra Israel, dizendo: Senhor, mataram os teus profetas, arrasaram os teus altares, e só eu fiquei, e procuram tirar-me a vida. Que lhe disse, porém, a resposta divina? Reservei para mim sete mil homens, que não dobraram os joelhos diante de Baal. Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça”.
A questão que Paulo levanta é simples. Deus rejeitou Seu povo? Não, de modo algum. Por quê? “Eu não sou israelita e fui salvo”. Agora Paulo dá o conceito para colocar no tudo prumo certo. Antes estava estabelecido o conceito de que Israel era o povo eleito apenas como nação, como raça. Mas Paulo diz que isso é agora um equívoco. Quem é o verdadeiro israelita? Não é simplesmente o que nasce em Israel. Paulo agora se refere tanto ao povo do VT quanto ao do NT e diz que ambos estavam na mesma situação e afirma: “no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça”. Isto é, assim como foi no Antigo Testamento, é agora no novo. Nada mudou! É a mesma coisa. No Antigo Testamento haviam os eleitos segundo a graça de Deus. Não era porque nasciam em Israel que eles eram salvos, pois haviam os eleitos dentre Israel. Por isso Paulo cita Elias que dissera: “Senhor, eu estou só!”. Mas Deus lhe diz: “Nada disso, Eu reservei para mim sete mil homens”. Ou seja, “Eu reservei para mim os que são fiéis. Dentro desta nação existem sete mil que não se dobraram diante de Baal”. E Paulo conclui dizendo que é assim também hoje que vive um remanescente segundo a eleição da graça.
Como foi no Antigo Testamento, é assim agora no Novo Testamento, pois os eleitos são salvos pela graça. E esses eleitos são salvos através da revelação da verdade. E essa revelação é dada aos que recebem o dom da fé, fé que leva à esperança. A Igreja do Antigo Testamento é o povo de Deus do Novo Testamento. Somos salvos porque fomos escolhidos por Deus antes da fundação do mundo, assim como os crentes do Antigo Testamento o foram. Fomos salvos porque a nós foi revelada a palavra objetivo-histórica de Deus e nós cremos tanto quanto eles creram nesta palavra revelada. Eles esperavam a pátria celestial e nós também esperamos. Eles criam na ressurreição e nós também cremos. Os crentes do Velho e do Novo Testamento historicamente receberam os mesmos benefícios.
A Igreja eleita do Antigo Testamento recebeu a revelação, creu e, com fé, esperou. Nós que somos a igreja do Novo Testamento somos exatamente a mesma coisa hoje. A igreja existia no Antigo Testamento.
Implicações
Quais as implicações desta verdade para nossa vida?
1) Uma palavra aos pastores e à liderança. Aos pregadores da Palavra que desejam cada dia aprender mais da Escritura se fazem necessárias algumas mudanças. Abandonem a pregação apenas moralista do Antigo Testamento e preguem a redenção que lá está. Pregue Cristo no Antigo Testamento! Exalte o nome de Cristo no Antigo Testamento! Exalte o Cristo que operou no povo do Velho Testamento da mesma forma como faz hoje, pelo Seu Espírito. Ao Ministro da Palavra dizemos que ele abandone a pregação apenas moralista no VT como é comum em nossos dias. Pregue a ética que provém da doutrina, mas não moralismo. Terá de evitar a visão dispensacionalista que afirma que o Antigo Testamento apenas serve de exemplo para nós. Errado! O Antigo Testamento é muito mais profundo que isso. É a revelação da redenção histórica de Deus.
Para os pastores e pregadores do Evangelho essa será a primeira e fundamental mudança que ocorrerá em suas vidas.
2) A liderança da igreja terá de buscar o entendimento da unidade em toda a Escritura Sagrada. Há muito tempo nós brasileiros trabalhamos contra isso. Na ignorância acreditávamos em uma separação entre Israel e Igreja, e, mesmo não sendo de fato dispensacionalistas, vivíamos recebendo grande quantidade de idéias dispensacionalistas na nossa teologia. Dessa forma não conseguíamos ver a unidade da Escritura. Tenho de dizer algo duro, mas que é a verdade. O pastor verdadeiramente reformado, presbiteriano, que não é pactual, está equivocado ao ficar contra suas convicções. Pastores e líderes que não crêem em um único pacto, o pacto da graça (após a queda), que não crer nessa unidade da Escritura, naturalmente vai trabalhar de modo a fazer um desserviço no ensino da Igreja.
Por isso a grande importância de falarmos sobre a circuncisão, batismo infantil, a páscoa, a ceia do Senhor, o templo e seu lugar no Novo Testamento, para podermos entender que dentro da doutrina da unidade escriturística existe um processo de entendimento e que a simbologia do VT foi trazida à plenitude no NT. Não é que o foco tenha sido mudado, não, mas é que chegamos ao ápice — Cristo — e quando temos a unidade, esse pensamento que apresentamos aqui, nos fará ver a Escritura como uma única verdade. Veremos como uma unidade.
O pastor que deseja se aprofundar na doutrina, como pregador, deverá mostrar que na redenção haverá mudança de vida e necessidade de obediência à Lei. Os pastores aprenderão que, depois de redimidos, nós amamos a Lei.
3) O crente desejoso de aprender mais profundamente a doutrina, verá que ele é salvo não pela obediência à Lei, mas pela graça de Deus. Isso trará uma grande mudança na vida da igreja, porque tanto no VT como no NT temos uma mesma mensagem: justificação pela fé somente e não por obras.
O texto de Gálatas claramente diz que “tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão”. Que Evangelho? O Evangelho da justificação pela fé somente. Essa foi a mesma verdade da Igreja do Velho Testamento e que está estabelecida na Igreja do Novo Testamento. A Igreja de hoje vai ter de rever seu enfoque, sua perspectiva e seus conceitos serão aprofundados quando retornar à posição confessional, o que talvez nunca tenha conhecido: A Confissão de Fé de Westmister. Digo isso com muita seriedade. Fiz meu bacharelado em teologia em um Seminário Presbiteriano e nunca estudei nossos símbolos de Fé. A liderança presbiteriana está, com algumas exceções, ignorante da sua confessionalidade, do seu conhecimento doutrinário sobre a Igreja. Por isso, a melhor palavra que se adequa à nossa situação não é “retornar” e sim “começar” a nossa eclesiologia de forma bíblica e reformada. Vamos aos nossos símbolos de fé e veremos que lá estão estabelecidos estes princípios que expusemos aqui. A doutrina do Pacto, a doutrina clara e inequívoca de que os crentes do VT eram salvos pela revelação graciosa de Deus tanto quanto os crentes do Novo Testamento. Veremos que a distinção que apenas fazemos é que no Velho Testamento o evangelho era visto através de uma revelação manifesta nos símbolos e tipos, porém eram perfeitos porque estavam conectados à Cristo.
Dessa forma vamos perceber com temor e piedade diante de Deus, a mudança que estas verdades acarretarão à vida da Igreja de hoje. Isso se faz necessário: abandonarmos os erros e nos apegarmos à verdade.
Amém.
Palestra proferida pelo Prof. Paulo Brasil no SIMPÓSIO REGIONAL OS PURITANOS em Recife/fevereiro/2006
[i] Usamos esta expressão para evitar que se pense que estamos defendendo revelação extraordinária hoje.
Fonte: www.ipaliança.com
Um comentário:
Contem tantos erros de Hermeneutica nesta palestra.
Porque fazer interpretação figurativo ou simbolico de um texto que literalmente esta claro?
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